Capítulo 10 / MURILO

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A aflição corroía meus nervos.

Tudo tinha desmoronado em uma velocidade surpreendente.

Júlia tinha saído de casa, minha carga na faculdade e na empresa tinham aumentado. A pressão de meu pai estava cada vez pior. Danilo e eu mal saíamos. As notas baixas, os relatórios errados, as decisões pouco surpreendentes para aqueles empresários mal-encarados.

E a necessidade iminente de descobrir mais do meu passado.

Tudo o que eu sabia é que tinha sido adotado aos cinco anos, acolhido por pais maravilhosos que me proporcionaram uma vida acima da média. Ainda proporcionavam, me corrigi mentalmente. Apesar de trabalhar arduamente na empresa que futuramente herdaria, ganhar direito em participação de lucro e em um salário justo, visto a situação complicada do país.

Minha mãe ainda preparava meu jantar, saia comigo para almoçar pelo menos uma vez por semana e enfiava os pés sob minhas pernas enquanto assistíamos a séries.

Meus tios e primas eram incríveis, apesar de eu apenas suportar Alana por boa parte do tempo, completamente consciente de nosso passado, eu gostava da garota, apreciava que ela era cuidadosa e genuinamente preocupada, talvez tivesse puxado o jeito estridente da mãe, Cate, mas os olhos calmos e avaliadores com certeza eram de seu pai, Eliot.

Mônica, quando lhe dava vontade, aparecia em casa, batia na porta do meu quarto e me ajudava a estudar, devia algumas - talvez muitas - de minhas notas boas à ela.

Mas a necessidade latente em saber mais da minha própria história ainda era grande. Não queria simplesmente chegar no orfanato perguntando sobre como tudo aconteceu, pelos sussurros e conversas interrompidas com minha chegada, sabia que o motivo de eu ter chego lá era... complicado, doloroso... tenso.

Por isso, mensalmente, eu fazia visitas despretensiosas ao orfanato que tinha passado cinco anos de minha vida. Almoçava com as crianças, estudava sobre a contabilidade e finanças do estabelecimento, participava de atitudes governamentais junto a administração do local. Estava pouco-a-pouco ganhando a confiança da direção do orfanato, para quando finalmente conseguisse tocar no assunto.

Mas daquela vez, naquele dia, eu simplesmente precisava de companhia. Ou ao menos era isso que eu tentava dizer a mim mesmo enquanto encarava a porta do apartamento de Júlia, mesmo sabendo que minha mãe estreitaria os olhos e meu pai me repreenderia.

Quando estava prestes a desistir, depois de tocar insistentemente sete vezes a campainha, Júlia abriu a porta com um solavanco.

- Mas que mer... - ela arregalou os olhos verdes, apertando o robe de seda em torno do corpo, como que para se esconder, o que não ajudou sua intenção, só avantajou suas curvas. - Mu.

Sorri, desviando minha atenção do robe rosa para seu rosto. - Oi, Jú.

Ela não sorriu, continuou parada a porta, me encarando. Estreitou os olhos, me avaliando. Observando meus olhos, meus ombros, minha roupa desgrenhada.

- Entre - ela deu passagem, provavelmente vendo mais sobre mim do que se eu tentasse contar algo sobre o conflito nos meus sentimentos.

O apartamento tinha ficado bem mobiliado, dois sofás, TV, estante com diversos livros. Uma bancada dividindo a sala com a cozinha, onde ela estava enchendo um copo d'água.

- Tome - ela estendeu o conteúdo, voltando a pressionar o robe. - Volto em um minuto.

Sumiu pelo final do corredor, batendo a porta. Quando voltou, usava um jeans preto justo, uma camiseta branca larga e chinelos de dedo.

- É o dia da visita? - perguntou, ainda me avaliando.

Acenei em positivo, tínhamos conversado sobre as visitas há muito tempo. Foi um dos motivos de nossa briga que nos afastou por tempo demais.

- E porque está tão tenso se é algo que gosta de fazer? - Júlia ergueu os ombros e o queixo, me enfrentando.

- Eu vim te pedir desculpas... não foi certo te tirar da casa dos nossos pais logo após a sua volta.

Os olhos dela brilharam com as lágrimas que tentava segurar com sacrifício. O passado de Júlia também era complicado, ela e eu sabíamos que havia alguma relação com o ataque que assombrou - e ainda assombra - nossa família por anos.

- Eu só... - ela parou, tentando buscar as palavras.

- Não entende? - soltei, numa tentativa de completar sua frase, caminhando na sua direção e apoiando o copo no balcão divisório atrás dela, mas não me afastando.

Seus olhos continuavam baixos, na direção do meu peito, como se conseguisse enxergar a tatuagem que eu tinha feito para sua chegada. Sua cabeça se movimentou lentamente, confirmando minha desconfiança.

Esperei pelo que pareceram longos minutos até que ela erguesse seus olhos verdes. Foque nos olhos, não na boca, Murilo!

Porque você se afastou? Parou de me... de... até de responder! - esbravejou novamente, prensando os lábios.

Sorri, ainda achando graça em vê-la brava.

- É complicado... muito complicado.

- E porque não pode compartilhar comigo? - ergueu os ombros, ainda me olhando nos olhos.

- Porque é sobre você - respondi, pois não era do tipo que conseguia esconder informações verdadeiras de pessoas com quem me importava.

Ela começou a pensar, os olhos se afastaram de mim e, quando eles se arregalaram um pouco, soube que ela tinha entendido. Suas bochechas ficaram vermelhas.

- Foi o papai, não foi?

Seus olhos estavam baixos novamente.

- Ei - chamei, ousando ao aproximar minha mão de seu rosto, segurando-o suavemente pelo queixo, procurando seus olhos. - podemos resolver isso, tá legal?

Ela acenou em positivo.

- Não estamos fazendo nada de errado... e eu me preocupo com você, com você estando sozinha, indo pra faculdade sozinha.

Júlia revirou os olhos a cada pontuação, mas não se afastou de meu toque.

- Quer ir comigo? - convidei. Ela ergueu os olhos, espantada. - Isso, no orfanato.

Sorriu, afastando-se de mim.

- Lá foi o primeiro lugar que nos vimos - confidenciou ela, guardando o celular no bolso de trás do jeans e jogando um cardigã grande sobre os ombros.

Sorri, feliz em conseguir resolver as coisas, pelo menos com ela, de maneira tão simples. Quando enfim alcançamos a frente do prédio, Júlia travou ao olhar para minha moto.

- Ah... eu não vou subir nessa coisa - ralhou, cruzando os braços.

- Eu sou o motorista - respondi apontando para meu peito. - Confie em mim.

- Em você eu confio - a resposta veio de imediato. - Eu não confio nisso.

Seus olhos não saiam da moto preta.

Depois de subir na moto e colocar o capacete, estendi a mão em sua direção. - Confie em mim.

E apenas fiquei tranquilo quando ela me respondeu com sua mão na minha, enviando calafrios inexplicáveis pelo meu corpo.

*

Conforme prometido! Agora consigo cumprir minhas promessas hahahahahah espero que estejam gostando!

*

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