CAPÍTULO 36

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3 anos mais tarde

JÚLIA

Aquele era o resumo da minha rotina: cursos online para manter meu cérebro funcionando, ler os antigos livros e, através de um blog bem escondido, estudando o que Olívia fazia na faculdade e especialização.

Minha mãe fazia basicamente o mesmo, alguns poucos projetos de design de interiores onde não envolvesse contas bancárias, sequer sua real identificação. Ninguém na Argentina conhecia seus projetos, o que apenas facilitava as coisas.
Meus avós biológicos foram grandes parceiros em nossa mudança tão repentina e não foram bons apenas pra mim, mas também para minha mãe, independente que não fossem seus pais e não exercessem qualquer responsabilidade ou obrigação com ela.

Mas havia algo mais na minha rotina que eu insistia em não compartilhar com ninguém, depois de tantos anos, tinha perdido as esperanças de que meu perseguidor fosse encontrado, na verdade, após o primeiro ano, achei que ele tivesse desistido, mas como se lesse meus pensamentos, os ataques voltaram.

A princípio foram sutis e bem disfarçados, bilhetes jogados sob a porta, cartas na caixa de correio, mensagens de voz desconexas, mas, após o primeiro ano, a ousadia passou a aumentar, como se se sentisse seguro em dar as caras e se mostrar completamente.

Meu celular piscava com mensagens insistentes, com fotos de algo que eu estivesse fazendo no momento. Eu ignorava todas as vezes.

E esse provavelmente foi meu maior erro, era a única explicação para que, nos últimos três meses, ele tivesse decidido de fato entrar no meu quarto, em um bairro bem localizado de Buenos Aires e pintar minhas paredes com mensagens em tinta vermelha, as mensagens surgiam atrás da cômoda, de quadros, na lateral da cama, como se tentasse se esconder até o momento que eu fosse pega de surpresa.
Minha mãe, Deus era bom, nunca tinha pego nenhuma das ameaças. E eu nem queria que ela sonhasse, finalmente havia se adaptado, não mais se recusando a comer ou sair, a ver filme ou jogar algo durante a noite.

Não queria e não iria estragar aquele avanço. Estávamos nos adaptando e eu não daria aquele poder ao meu perseguidor. Nunca.

Por isso me levantei, apressando-me em apagar seus vestígios e, como de costume em seus ataques, anotando tudo a mão em uma agenda, fotografando as anotações e enviando para o mesmo blog onde Olívia e eu nos comunicávamos a respeito das aulas de medicina.

Sempre mantive minha melhor amiga atualizada sobre cada acontecimento, inclusive sobre meu plano que ela não aprovava em nada, mas que deveria ser a única solução.

Assim que terminei de limpar a parede e deixar tudo limpo, a porta se abriu com uma Agatha agitada.

— Mesmo de longe seu pai consegue me tirar do sério.

— E o que ele fez dessa vez? — perguntei segurando um sorriso, caminhando até ela e recolhendo as sacolas em direção a pequena cozinha de nosso apartamento.

— Ele empurrou um cargo para seu irmão.

A menção à Murilo ainda acelerava meu coração, eu tentava enfiar na minha cabeça que era apenas saudade, uma saudade inocente, afinal vivemos juntos apesar dos anos separados, ele foi e sempre seria uma parte da minha vida.

— E o Mu não queria? — continuei a conversa, ansiosa por saber mais dele, qualquer coisa.

— Murilo nunca quis seguir carreira na empresa — respondeu ela, parecendo aliviada por eu não demonstrar certa tristeza, mas consegui disfarçar ao longo dos anos. — Mas estranhamente aceitou.

Agatha passou a olhar na direção da sacada, absorvendo a paisagem de uma praça diante do prédio em que vivíamos, era evidente que seu pensamento estava distante.

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