Capítulo 29 / JÚLIA

317 40 7
                                    

Sonhos são como os anjos, eles mantêm o mal sob controle. Amor é a luz assustando a escuridão para longe.

The power of love - Gabrielle Aplin.

*

— O que acha que ela quis dizer com "não a odeie"? — perguntei assim que avancei sobre o edredom da cama dele.

Murilo estava sonolento, o braço pesou sobre minha cintura, enquanto eu ainda segurava a carta, gradativamente mais ansiosa. Ele murmurou algo ininteligível, os olhos fechados.

— Gatão... você nem me esperou hoje — aproximei meu rosto do dele.

Parecia tão em paz prestes a dormir. A luz do luar entrava pela janela, iluminando as maçãs do rosto, os lábios, o nariz e os cílios encostados na pele.

— Você é muito lindo... só por isso não vou brigar com você por ter escondido algo de mim.

Ainda meio dormindo e meio acordado, ele soltou uma risada.

— Também te amo, cabelos vermelhos.

Sorri com o apelido, segurando o envelope pesado na mão e, sem hesitar, rasguei o lacre antigo.

— Não precisa ficar acordado, só quero estar com você enquanto leio o que tem aqui — informei enquanto tirava os papéis de dentro do envelope amarelado.

Desdobrei os mesmos, notando a caligrafia já afetada pelo avanço do câncer, respirei fundo e antes que pensasse demais sobre aquilo, comecei a tentar entender o garrancho no qual sua bela letra tinha se transformado.

"Olá, Júlia, minha filha. Sei que após essa carta, você provavelmente não a veja como um presente, sequer me compreenda como mãe e, honestamente, eu entendo. Enquanto escrevo essa carta, você está calmamente aninhada no colo de sua mãe, Agatha.

Ela já sabe que quero que a crie como filha e aceitou tão bem... como sempre foi compreensiva com tudo, diferente de Henrique, é claro.

Nessa carta, não estarei aqui para dar conselhos que eu gostaria de estar viva para dar, não estarei lhe oferecendo carinho para qualquer que seja sua aflição, mas sim para esclarecer coisas dolorosas e feias, onde a única boa coisa que surgiu foi você.

Não sei quantos anos tem agora, mas se Agatha seguir o que eu pedir, vai te entregar essa carta depois de todas as outras, confio nela não só para cuidar de você, mas para seguir meus pedidos mesmo depois de todo o ocorrido.

Meu amor, eu te desejo alegria no dia-a-dia e felicidade plena. A vida não é fácil, eu sei... mas sempre se lembre que as dificuldades podem ser vencidas e que a coragem pode te levar por locais incríveis e te dar histórias maravilhosas para lembrar e contar.

Eu fiz algo tão errado... algo que não me orgulho. Quando seus pais, Henrique e Agatha, estavam juntos e felizes, logo após meu rompimento - um dos - com Henrique, eu quis destruir aquilo. Senti tanta raiva por ela fazer por ele o que eu nunca consegui: trazer felicidade.

Eles podiam não estar juntos, eu e ele podíamos não ter realmente uma relação, mas doeu tanto ser trocada, enxotada, quando acreditei que conseguiria dar o melhor de mim.

Por isso entendo a raiva dele, a incompreensão por todo o ocorrido entre esse rompimento e nosso casamento - ou a farsa que ele sempre foi.

Ameacei sua mãe com o passado dolorido dela, sei que se tornaram amigas e que isso não é mais um segredo. Mas usei desse segredo quando ele, Natan, veio até mim. Tínhamos o mesmo interesse em separá-los, ainda que por motivos diferentes.

Apenas AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora