Capítulo 13 / JÚLIA

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Murilo teve a brilhante ideia de marcar um almoço para o dia seguinte. Era em um restaurante ao qual meus pais costumavam ir desde mais novos, então conseguiram reservar mesmo que o feriado estivesse movimentando a cidade mais que o habitual.

Murilo e eu fomos juntos em sua moto e a cada momento que passávamos juntos, menos queria ficar longe. Não sei o que teria feito se estivesse sozinha no apartamento. Será que quem quer que tenha deixado o bilhete conseguira abrir a porta? Conseguira algo além de deixar o papel exatamente na porta de onde eu atualmente morava?

A mudança tinha sido tão recente, o que só garantia que a maldita pessoa tinha acesso a basicamente todos os meus passos. Sem contar o número de celular e agora, soando ainda pior, o endereço onde morava sozinha.

Tinha contado tudo para Olívia, que me encorajou para que eu tivesse aquela conversa tão séria com meus pais, onde eu finalmente mostraria as mensagens e até ofereceria em deixar meu telefone com meu pai, para investigação.

Descemos em frente ao estabelecimento e estendi o capacete para Murilo prendê-los daquele jeito bizarro e nada seguro. Como esperado, estava movimentado; como sempre, o cheiro bom invadia a calçada também com algumas mesas para espera.

Uma recepcionista simpática nos indicou a mesa, com Murilo, tenso, segurando meus dedos. Ela fez questão de arrastar a cadeira para Murilo, sorrindo displicentemente. Ele abanou um agradecimento firme com a cabeça, oferecendo a cadeira para mim, onde me sentei de bom grado.

Nossos pais estavam sorrindo, as mãos uma sobre a outra em cima da mesa.

— Olá, querida... alguma novidade sobre o apartamento? - minha mãe perguntou, erguendo os olhos verdes do cardápio.

Sabíamos muito bem que ela o olharia por incontáveis minutos para, enfim, escolher o mesmo prato de sempre. Meu pai aguardava pacientemente com um sorriso no rosto. Ele me deu uma piscadela, tanto me cumprimentando quanto sabendo no que eu estava pensando.

— Hum... - hesitei por alguns instantes, ainda insegura em contar algo sobre as ameaças e também não achando nada mais interessante em minha mente.

Meu pai se empertigou na cadeira, me observando com mais atenção. Talvez tenha notado que eu escondia algo.

— Podemos pedir? - foi Murilo quem me salvou.

— Espere... vocês... chegaram exatamente na mesma hora? - minha mãe estreitou os olhos para nós dois, frisando a palavra, claramente desconfiada.

Me senti no corpo da Júlia de treze anos, aguardando a bronca sobre finalmente ter de entender que Murilo e eu éramos irmãos. Deveríamos estar com a mesma reação assustada, pois minha mãe largou o cardápio, inclinando-se sobre a mesa, esbarrando nos pratos já postos.

Meu pai movimentou os ombros, claramente tenso.

— Onde você dormiu na noite passada? - meu pai estava olhando para Murilo, a voz rouca, nervoso.

Olhei de um para o outro. Algo na... cumplicidade deles parecia estar rachando em um rompante. E não podia me sentir mais culpada, vendo toda aquela tensão dividida entre os dois. Não parecia certo... não era certo.

Mas minha mãe era mais esperta que eu e sabia lidar melhor com tais situações. Enquanto eu só conseguia olhar de um pro outro, ainda meio engasgada, com um bolo na garganta.

— Amor... - ela apoiou a mão no antebraço de meu pai, calando-o o suficiente para continuar. — deixe que eles peçam a comida... já decidi o que quero.

Ela então me olhou, claramente em busca de auxílio.

— O de sempre? - balancei as sobrancelhas.

— Não sei porque insisto nessa baboseira de ficar revirando o cardápio - ela riu genuinamente, arrancando uma gargalhada de todos na mesa.

— Sim, tem razão - meu pai concordou em meio às risadas.

Minha mãe lhe deu um leve tapa no ombros, demonstrando ainda mais a cumplicidade e o amor que vinha há anos se renovando.

Assim que o garçom chegou, fizemos nossos pedidos, ainda sendo salvos por minha mãe que mostrava algo no celular, arrancando uma gargalhada alta de meu pai.

— Bom - Murilo pigarreou, atraindo a atenção dos dois. — nós... queríamos mostrar uma coisa.

O jeito que meu pai devolveu o olhar, atencioso, ainda com o braços sobre os ombros de minha mãe, me acalmou.

— As mensagens voltaram... mas estão piores agora - Murilo sussurrou, certamente preocupado que alguém poderia nos ouvir.

Ou pior: que quem mandava aquelas mensagens intrigantes estivesse ali, nos espionando. O pensamento enviou arrepios pelo meu corpo, me fazendo girar os olhos em torno de nós.

— Mensagens? Que mensagens? - minha mãe perguntou, uma sobrancelha erguida, os olhos presos no loiro ao meu lado.

— Amor, eu... - foi meu pai quem respondeu, claramente envergonhado por ter sido pego no flagra. — Não queria que soubesse... achei mais seguro.

A mão dela automaticamente saiu de seu braço, os olhos firmes em sua direção.

— Achou o que? Que eu não fosse capaz de saber quem a está rondando? - minha mãe descreveu o risco eminente com todas as letras, provavelmente por todas as experiência traumáticas.

Meu pai abriu a boca para responder, mas sua esposa ergueu uma mão, virando o rosto com pressa.

— Em casa terminamos essa conversa - ela sibilou entre os dentes, para logo em seguida adotar seu tom doce ao segurar minha mão sobre a mesa. — O que aconteceu, querida? Conte para mim.

E, com a deixa, desabafei todos os detalhes. Desde as mensagens perturbadoras no dia da balada com Murilo, até a última mensagem no apartamento novo.

Então lá estava meu pai com as sobrancelhas erguidas de novo, fazendo uma pergunta silenciosa apenas para Murilo.

— Primeiro - Agatha começou a pontuar, mordiscando a comida que tinha chegado no meio do meu relato — esse seu celular vai ser descartado. - ela estendeu a mão.

Entreguei o celular de bom grado.

— Seu pai ficará feliz em te presentear com um novo - disse com um tom zombeteiro, virando-se em sua direção. — Não vai, amor?

Ele sorriu sem mostrar os dentes, para logo em seguida beber um gole de vinho.

— E também irei investigar... a mensagem do seu quarto... ela parece...

— Com alguém do nosso passado - minha mãe completou, com os olhos nublados, mas com o mesmo tom doce de antes.

— Aquele dia antes de mamãe ficar em coma, né? - perguntei, não recorrendo as minhas lembranças dos momentos, mas das conversas.

Minha mãe aquiesceu com a cabeça, o olhar perdido em seu prato.

— Mas fique calma... vamos descobrir de onde as mensagens vem, quem as manda e conseguir entregar um material adequado para a polícia.

— Porque alguém, tantos anos depois, viria a mencionar exatamente aquela noite? - Murilo perguntou, claramente intrigado.

Pelo menos estava verbalizando algo que eu também sentia naquele momento.

Continuamos a comer em silêncio por alguns minutos.

— Carlos foi solto.

Até minha mãe se virou na direção de meu pai, chocada. Os talheres bateram no prato e ele apenas a encarou de soslaio, como se ali não fosse o momento mais adequado para discussões sobre aquele assunto.

Mesmo sem poder ligar o nome ao fato ou ao conhecimento, um calafrio percorreu minha espinha e alertas soaram em meu cérebro.

*

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