CAPÍTULO 35 / JÚLIA

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O grande dia havia chegado, com o passar das horas minha ansiedade aumentava, minha perna balançava em um ritmo alucinado, muitas preocupações atolando meus pensamentos. Estava mordendo a parte interna da bochecha, enquanto assistia meu pai carregar as malas para o quarto de hóspedes da casa de Cate.

Bruno, Mia e Mônica também estavam lá, todos empoleirados na cozinha, ocupados com alguma receita de família para tentar animar a mim e minha mãe. Murilo ainda não havia chegado, o que provavelmente só intensificava minha ansiedade. Eu queria compartilhar cada segundo das últimas horas com ele, aproveitá-lo, guardar os traços, seu cheiro, o formato da mão, o jeito, os trejeitos.

Suspirei, movimentando os ombros em busca de alívio, minha mãe estava assistindo televisão no sofá oposto, mas eu via seus olhos verdes nada focados nas imagens do filme do canal à cabo. Me levantei e sentei abaixo de suas pernas, acariciando seus pés.

— Oi, querida — ela cumprimentou, os olhos ainda vidrados, como se ela estivesse muito longe daqui. — Vamos ficar seguras.

Aquela era a única informação que trazia certa paz aos meus sentimentos, me sentia exposta ali, como se qualquer um fosse o inimigo, como se quem me perseguisse estivesse à espreita, pronto para me atacar.

— Fui atacada há anos atrás, antes de você nascer — a voz estava levemente embargada, a franja escura caia sobre a almofada vermelha sob sua cabeça. — A sensação é terrível, a ameaça... o medo sufoca. — só então seus olhos me encararam, fixos em mim, doces. — Quero te proteger, quero não, devo e vou.

Um suspiro escapou dos meus lábios, toda aquela movimentação era por minha segurança, além de ter medo, também me sentia responsável por vê-los fazendo tanto. Com um movimento, minha mãe arrastou o corpo para trás e me puxou para o seu lado, onde deitamos juntas, cada uma perdida em seus pensamentos, mas ainda de mãos dadas, como um sinal de que enfrentaríamos o que viesse juntas.

***

Murilo chegou justamente no horário do jantar, fiquei imaginando que estivesse esperando atrás da porta o tempo todo. Estava distante desde o momento que a notícia sobre nos separarmos foi divulgada. Não o culpava, também não sabia como me sentir, mas tinha certeza que queria aproveitá-lo ao máximo.

Talvez essa sensação passasse com a nossa distância obrigatória, mas o que me assustava era a possibilidade de não passar.

O jantar estava silencioso, apenas Cate e Bruno conversavam, até Alana e Mônica permaneciam em silêncio, com o jantar, a sobremesa veio e o silêncio ensurdecedor permaneceu, depois que a mesa foi tirada e a louça lavada, a família resolveu se reunir e assistir a um filme, pouco tempo antes do filme acabar, quase todos os casais tinham dormido e Alana e Mônica já tinham subido para o quarto.

Murilo permanecia com os olhos na tela, mas era evidente que a cabeça estava em outro lugar. A viagem era no dia seguinte, logo cedo e eu não estava pronta, havia um bolo entalando minha garganta, uma pressão no meu peito.

Justo quando eu estava me adaptando, quando estava chegando no fim do penúltimo ano da faculdade, agora não poderia estudar, não poderia manter contato com minha família e amigos do Brasil, tudo pela forma como a mente doente de um perseguidor poderia funcionar.

Foi o sufoco quem me obrigou a levantar e caminhar para o quarto de hóspedes do andar de baixo, onde relutantemente me joguei na cama impessoal, em um cômodo impessoal, justamente como os próximos tempos seriam para mim. Minha nova vida.

Eu não tinha previsão de volta, dependeria do meu pai encontrar o responsável, mas enquanto o plano consistisse na minha segurança, dificilmente eu retornaria antes que ele fosse encontrado.

Aparentemente peguei no sono durante os devaneios confusos, pois só acordei ao sentir um movimento dos lençóis ao meu redor, meus olhos se abriram com pressa devido ao susto, mas meus nervos diminuíram ao reconhecer Murilo.

— Gatão?

O sorriso alcançou seu rosto, mas ele permaneceu de pé.

— Só vim ver como estava, amor.

O apelido percorreu meu corpo em afeto e, ainda que perdida em meus medos, sorri.

— Vai dormir comigo? — perguntei, a expectativa ocupando meu corpo com força.

— Não podemos, amor. — quando achei que ele fosse se afastar, abaixou-se ao meu lado e afundou os dedos nos meus cabelos, nossos rostos próximos, os hálitos se misturando. — Talvez quanto mais cedo tentarmos nos acostumar, mais rápido vamos nos adaptar.

— Ah... diga isso por você.

Murilo sorriu, como se tentasse se convencer do mesmo e fechou os olhos.

— Estou tentando não ser egoísta com a pessoa que amo — com isso, ele abriu os olhos, a luz da lua refletindo em seus olhos azuis. — Preciso pensar em você não em nós ou em mim. Sei que vai ser difícil que a gente se afaste logo quando de fato começamos tudo, mas também sei que é pro seu bem, pra te manter em segurança.

Acenei em positivo, engolindo em seco, numa fraca tentativa de afastar o choro.

— Vai ser difícil para mim me manter aqui sabendo que te quero lá...

— Estamos terminando? — meus lábios teimosos se soltaram a pergunta, a dúvida no ar, o medo no peito.

— Não vejo como pensar em um futuro nessa situação.

E, com isso, meu choro se rompeu em lágrimas que molharam seus dedos. O brilho em seu olhar aumentou, e sabia que sentia necessidade de chorar também, mas manteve-se firme.

— E eu sinto muito, muito mesmo — reforçou seu ponto, a voz mais grossa e embargada. — Vou sentir sua falta, falta de quem eu sou quando estou com você.

— Eu também.

— Sei que sim — engoliu em seco novamente antes de continuar. — Papai me manterá informado, sei que não vão poder trocar mensagens ou ligações, mas vou ter notícias suas através dele, tudo bem?

Acenei em positivo, incapaz de falar algo. Passamos mais que alguns minutos na mesma posição, os olhares grudados, as emoções em alta em nossos corpos. Em um movimento rápido, retirei a aliança que ele me dera no que agora parecia tantos dias atrás.

— Aqui — murmurei ao entregar a joia em seus dedos. — Guarde para quando eu voltar, tá legal?

Murilo soltou meus cabelos e rapidamente prendeu a aliança junto a sua na corrente em volta de seu pescoço, guardando tudo sob o tecido da blusa.

— Vou guardar pra sempre se necessário.

O choro novamente saiu em um rompante, meus olhos se fecharam junto a minha garganta, não querendo vivenciar mais da dor, não querendo vê-lo triste e se afastar de mim.

Murilo não me pediu para abrir os olhos, mas beijou meus cabelos de forma terna e, em silêncio, se retirou do quarto. Deixando-me tranquila com sua atitude, mas ainda assim com o coração partido por se ver obrigado a se afastar de mim.

Eu só torcia para que aquela mudança durasse poucos meses, rezava para que Henrique encontrasse o culpado depressa, para que eu pudesse retomar minha vida com apenas alguns momentos perdidos e não com anos à recuperar.

Mas a vida gostava de pregar peças em mim e, novamente, eu estava errada.

***

Pessoal, milhões de desculpas pela demora! Chegamos no vira tempo da história hahahah e ando tendo mais tempo pra escrever -- infelizmente por conta da quarentena -- e espero trazer o próximo capítulo em breve pra vcs!

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