CAPÍTULO 41

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JÚLIA

A noite transcorreu sem muita solidariedade, todos os amigos e familiares perguntaram, sem cessar, como foi escapar das mãos de Roberto, como foi ser enganada por Roberto, como foi saber da morte de Roberto...

Eu amava aquelas pessoas, tinha afeição por elas, mas vê-las falar com tanta naturalidade de algo que ainda estava tão vívido em lembranças aterrorizantes para mim e minha mãe me deixava chateada... ou melhor, irritada de verdade.

A enorme mesa estava aberta no quintal dos fundos, no jardim onde todas as festas eram feitas, a segurança ainda nos rondava, apesar de bem menos reforçada do que quando parti.

Estávamos sentados diante um do outro, não tínhamos nos falado, sequer nos tocado, dentre todos, Murilo foi quem mais respeitou nossas dores, tendo abraçado minha mãe em silêncio e soltado-a apenas quando ela reclamou de fome, lhe arrancando uma gargalhada. Dizer que o som reverberou em cada célula do meu ser era eufemismo.

Acreditei que depois de tantos anos distantes toda aquela chama teria apagado, imaginei que o fato de saber que ele tinha reatado com a ex tivesse feito nossa química diminuir drasticamente.

Mas aquilo não tinha ocorrido e eu não sabia dizer se estava contente ou arrasada.

As inseguranças tinham escorrido de mim ao descer do carro e sentir seu cheiro. Eu só queria abraçá-lo, desabafar ou ficar em silêncio nos braços dele, em nossa quieta casa. Sem que ninguém sequer sonhasse no que acontecia entre nós, porque ninguém entenderia. Nem eu entendia ainda.

Seus lindos olhos azuis percorriam os vestígios das marcas da luta daquela fatídica noite. O maxilar travado, um olhar duro... eu praticamente podia sentir o que o aborrecia tanto, ainda que os hematomas estivessem em mim, queria poder confortá-lo, mas ninguém se levantava com a deixa para ir embora.

— Você tem razão, claro — meu pai concordou com algo que alguém dizia, eu nem me dava ao trabalho de erguer os olhos, já tinha terminado a sobremesa, estava mais do que pronta para subir as escadas e desabar na minha cama.

— Bom, acho que podemos dar a noite por encerrada, não? — perguntou minha mãe, sorrindo. — Estamos realmente exaustas — justificou-se, estendendo o braço para mim e segurando minha mão sobre a mesa. — Não é, querida?

Seus olhos estavam doces, mas um pouco arregalados, quase como se me passasse um código de socorro.

— Sim — confirmei com a cabeça e bocejei, realmente cansada.

Murilo, sentado do outro lado da mesa, segurou uma risadinha.

Todos começaram a se mexer quase que imediatamente, Danilo me abraçou e beijou minha testa, Mônica prometeu que passaria no dia seguinte, meus tios me apertaram e elogiaram o quão corajosa eu fui, meus avós me abraçaram e encheram meu rosto de beijos, não me deixando esquecer o presente que me aguardava ao pé da porta da sala. Me despedir foi mais cansativo que revê-los. A ansiedade me percorria inteira, sabendo o que me aguardava.

— Querida, pode ir se deitar, eu e Murilo vamos tentar dar uma ajeitada aqui — meu pai avisou minha mãe, enquanto me abraçava de lado e beijava meus cabelos.

— Não seríamos bobas de recusar, nada de chamar ninguém para ajudar — minha mãe os proibiu com um tom autoritário, mas a risada permeava cada palavra. — Boa noite.

Subimos as escadas antes mesmo de ouvi-los nos cumprimentar de volta e, diante da porta do meu quarto, minha mãe beijou meus cabelos, caminhando até seu cômodo enquanto se espreguiçava.

O cansaço não era maior que a vontade de vê-lo, por isso demorei ao vasculhar a mala atrás do meu pijama mais confortável, também não tive pressa enquanto tomava banho, tentando, mais uma vez, me livrar de todas aquelas marcas em minha alma.

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