Capítulo 9 - Quem sou eu?

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Sexta-feira, 23 de Agosto de 2019 – Dois dias depois

Arrumo minha mochila lentamente, sem real vontade de ir para casa, tudo lá me lembra ela, tudo que me lembra ela me faz querer morrer. Talvez meu pai nem sinta tanto a minha falta, ele já parece ter superado isso de forma surpreendente, o que me deixa ainda mais triste. O luto é algo normal e que todas as pessoas um dia precisarão lidar, de alguma forma, pelo menos foi o que a senhorita Tsure me falou na sessão de hoje.

É tão estranho ter que me submeter a isso, sentar a frente de uma pessoa desconhecida e contar tudo o que sinto, sendo que nem eu consigo definir. Ela foi educada e simpática, devo dizer que apesar de estar sendo paga para isso, ela conseguiu transparecer certa empatia. Sei que não sou louco, pelo menos na maior parte do tempo eu sei disso, mas a concepção das pessoas com isso de terapia sempre é equivocada. Ou quem sabe estão certas, realmente não consigo me importar com isso. O maior motivo para que eu tenha aceitado essa ajuda, que por sinal não vejo como pode me ajudar, foi por causa de Bakugou, que veemente me pediu que eu tentasse.

O loiro vem sendo cada vez mais incisivo comigo, o que me deixa tranquilo, já que minha mente constantemente tende a pender para dúvidas e pensamentos distintos demais para fazer algum sentido, me sinto muitas vezes perdido, Katsuki acaba por ser o meu farol em meio as tormentas escuras do meu inconsciente. Sorrio levemente ao pensar nele, seu jeito bruto não mudou em nada e ele não me trata com receio ou cautela como muitos têm feito. Sei que tudo isso se dá pela forma que eu agi nos últimos tempos, mas a mudança de tratamento reflete em mim, já que apenas confirma que não sou mais o mesmo, levando-me a outro fato que vem me incomodando, o fato de que eu não sei mais quem eu sou.

A psicóloga me explicou que a depressão manipula as pessoas não só mentalmente, mas também fisicamente, eu mal precisei dizer nada antes que ela listasse tudo que venho sofrendo até agora. Por vezes durmo demais, em outras não consigo desligar minha mente para dormir, não sinto fome o que me fez perder peso desde então, não sou capaz de me concentrar e muitas outras coisas, tantas que até eu mesmo fiquei surpreso ao tomar consciência delas.

Conversando com essa desconhecida eu tomei um pouco mais de compreensão sobre o que pode estar se passando comigo, mas só serviu para me deixar pior ainda, sou tão idiota que agora estou aqui fazendo com que as pessoas se preocupem, quando tudo que tenho são pensamentos ruins fora do meu controle. Quem é capaz de ser tão fraco a ponto de deixar vozes na cabeça ditarem o que deve ou não sentir? Sim, eu mesmo.

Neste exato momento eu já desisti de sair do quarto, deixo a mochila ao lado da cama e volto a me deitar deixando as pernas na beira do colchão, olho para o teto deixando as divagações me atingirem como sempre, mas procurando manter certa precaução em torno da profundidade dessa espiral reflexiva. Todos já devem ter saído, animados para verem suas famílias. Eu queria ter ainda esta alegria, esse ânimo... Eu era assim, ainda não me conformo com a mudança. Sinto vontade de me machucar, pelo simples fato de me odiar, um frio na barriga se faz presente e o aperto em meu peito parece martelar para me levar ao precipício. Ativo minha individualidade na mão direita e ergo-a acima do rosto, porque eu faço isso comigo mesmo? É o que venho me perguntando desde a última vez em que fiz isso na presença de Bakugou, eu o assustei, sei que sangue é uma de suas fraquezas, mas o que mais me incomoda é o fato de que foi quase automático recorrer a isso para me sentir melhor, no final, é apenas uma ilusão. A dor em meu corpo ainda não é suficiente para suprir a pressão no meu coração, é um alívio momentâneo, é apenas idiotice.

Ou talvez nem tanto...

Não importa, eu apenas preciso entender, sei que esse sentimento é algo irreal para minha personalidade, sei que há maneiras de reverter isso, ou melhor dizendo, superar. Não há como voltar atrás com meu eu de antigamente, eu sei que isso é impossível, uma vez que já experimentei essa angústia, jamais seria capaz de esquece-la por completo. Isso me desanima mais ainda. Por que continuo pensando que vou conseguir?

Desativo minha individualidade e coloco as mãos no rosto suspirando pesadamente, tudo doi, tudo parece insignificante, nesses momentos em que me encontro sozinho nesse quarto, até mesmo a imagem de Bakugou se torna distante e eu me vejo completamente abandonado, como um naufrago solitário em uma ilha deserta. Minha própria companhia se torna insuportável, me olho no espelho e só consigo pensar em defeitos. A morte passa pela minha cabeça como uma alternativa viável e isso me assusta. Eu não quero morrer, mas as vezes eu quero, é apavorante no mesmo nível em que é tentador. Nenhum sentimento é realmente compreensível, tudo se mistura e se molda dentro de um redemoinho confuso de ambiguidade.

É cansativo, chorar não é mais um alívio, é uma tortura. Temo decepcionar aqueles que prezam pela minha melhora e minha ansiedade se torna um verdadeiro inferno, sinto que estou rumo a desistência e que em algum momento, eu vou cair, vou fraquejar e ver a decepção nos olhos de Bakugou, me sinto enjoado apenas com a ideia e pela preocupação em me manter firme, eu fico ainda mais perto de não ser capaz disso.

As lágrimas começam a escorrer por minhas têmporas e permaneço deitado, olhando para o teto com a expressão impassível, deixando o líquido salgado correr por minha pele, sendo apenas um lembrete da minha incapacidade, não mais uma válvula de escape. Ouço batidas na porta e não respondo, ignorando tudo ao meu redor, o peso que se forma em cima de mim, como se alguém me pressionasse contra o colchão para me impedir de levantar. Logo a porta é aberta, pelo visto a pessoa cansou de esperar por uma resposta, não me movo e sinto o colchão afundar um pouco ao meu lado.

- Kiri... fala comigo – a voz baixa e suave de Bakugou não combina nem um pouco com ele, suas palavras chegam aos meus ouvidos e quase não são capazes de ultrapassar o tormento de reflexões desconexas em minha mente – Por que está chorando?

- Eu não sei, deveria ter um motivo, mas não tem – resmungo sem rodeios, apenas expondo o que eu mesmo não fui capaz de decifrar sobre mim. A sensação de desconhecer a si mesmo é... perturbadora.

- Todo mundo já foi embora, quer dormir na minha casa? – ele questiona com uma incerteza que não é condizente com sua personalidade segura e convicta para com tudo e todos.

- Não avisei nada ao meu pai e você não parece muito seguro disso – respondo sentindo-me irritado de repente. Ele não é obrigado a ficar me vigiando como se eu fosse uma criança, sua incerteza me deixou chateado, mas isso é infantil da minha parte, já que o loiro não precisa ter responsabilidade nenhuma sobre o meu estado inútil.

- Vai se foder Kirishima, eu já avisei o seu pai e ele disse que se você quiser não tem problema – ele exclama levantando-se e me puxando junto, fazendo-me ficar sentado na beira da cama. Olho para o chão com uma expressão vazia, não quero ser um peso para ele, seria melhor que eu ficasse e... – Nem pense em recusar, você vai comigo e vai agora caralho, eu não comprei aquela merda de sorvete de Snickers pra nada.

- Você tem certeza? – questiono ainda atordoado. A menção do sorvete me alegrou um pouco, mas ainda não sobrepõe a angústia do meu ser.

- Nunca tive tanta certeza nesse caralho dessa vida, levanta logo e vamos – eu me levanto olhando para o chão sentindo-me muito mal por incomoda-lo dessa forma. Seguro a mochila e seco o rosto com o dorso da mão direita, sinto o toque dos dedos indicador e médio de Bakugou em meu queixo e ele ergue meu rosto, obrigando-me a olha-lo. Suas irises vermelhas queimam intensamente, como labaredas de uma fogueira, me perco um tempo em seu olhar intenso e fecho os olhos quando o mesmo segura minha nuca e posiciona sua testa sobre a minha.

- Eu sinto que sou um peso pra você, Katsuki – declaro com a voz baixa, apertando a alça da minha mochila com mais força e me esforçando para não deixar a escuridão me consumir totalmente. O loiro cola nossos lábios e minha mente fica totalmente em branco, os pensamentos se desfazem e os nós que se formavam com minhas inseguranças se dissipam nos breves momentos em que minha língua encontra a do loiro, vagarosamente, aprecio o sabor picante da boca de Bakugou, que me embriaga e me faz esquecer minha perdição, deixando-me um pouco mais próximo daquilo que eu costumava ser.

- Você sabe que eu não fico falando essas viadagens – ele diz se afastando e respirando fundo assim como eu, mantenho meus olhos fechados escutando sua voz potente retumbando em meus ouvidos. Quando percebo que ele não continua a falar abro os olhos e faço contato visual, quase perdendo o fôlego com a intensidade do seu olhar, ainda maior que antes, tornando o escarlate dos seus olhos, um verdadeiro incêndio, não mais uma mera fogueira – Mas você é importante demais para se considerar um peso na minha vida, mesmo que você seja um peso em algum momento, eu pretendo te carregar até que possa voltar a caminhar.

Depressed || KiriBakuOnde histórias criam vida. Descubra agora