Capítulo 33 - A Vilania do Viver

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Sexta-feira, 04 de Setembro de 2019 – Mesmo dia

A noite já se encontra pairando sobre as ruas pouco movimentadas, meus pés se movem com certa apreensão, já que é real a minha vontade de dar meia volta no instante em que minha casa se torna visível ao longe. Quando pedi a Bakugou que não me acompanhasse, seu mau humor se tornou ainda maior, porém o loiro respeitou minha decisão, assim como sempre vem fazendo. De certa forma, sou agradecido por ele ao ceder, mas uma parte de mim sente que não seria necessário muito dele para que eu aceitasse ficar.

Não há como ficar fugindo da verdade, isso para mim já se tornou claro como cristal, mas ainda assim é complicado lidar com tal veridicidade posta sobre os meus ombros, pensar que em poucos dias eu atingirei a maioridade, em meses terminarei os estudos e me tornarei um herói apto para lidar com os vilões. É tão... incontrolável. A vida me faz lidar com vilões não somente nas ruas e na proteção de pessoas alheias, há vilões em todo lugar, nas pequenas incertezas que cultivamos em nossos pensamentos, no preconceito que ronda muitas mentes retrógradas, na ganância de muitos e desfortuna de outrem. Os sentimentos de insegurança e incapacidade, também são fortes vilões, os quais não cabe somente aos heróis lidar. Talvez, o conceito de herói seja um tanto abstrato, qualquer pessoa tem suas próprias batalhas para vencer consigo mesma, o heroísmo pode ser atribuído a todas essas que continuam se erguendo depois de uma breve derrota.

Chego na porta de casa e hesito por um instante, estava perdido em pensamentos e mal pude notar que já me encontrava tão próximo dessa maneira. Aquele breve calafrio que me toma sempre ao olhar para essa entrada está presente, porém ainda menos intenso do que a última vez, creio que em certo momento ele deixará de existir, mesmo que retorne em alguns poucos instantes do meu futuro incerto.

Limpo os pés no tapete onde jaz a frase “Bem vindo” e torço o nariz para tal expressão, eu não consigo mais me sentir tão bem vindo assim, mas é preciso relevar e suportar, a racionalidade precisa interpor os sentimentos para que as minhas ações não sejam precipitadas, a segurança está em conseguir identificar aquilo que não é concreto e lógico.

Entro e fecho a porta atrás de mim suspirando longamente, me encaminho até as escadas e ouço a voz do meu pai soar surpresa na cozinha.

- Ah, você veio, filho... Está com fome? – Toriu questiona me olhando com um ar de expectativa e seu olhar aparenta um grande cansaço. Não sei dizer o que pode estar deixando-o exausto, pode ser o luto, a lembrança que o dia de amanhã nos trás, o excesso de trabalho que o mesmo vem exercendo... Sequer sei se ele anda trabalhando. Tudo entre nós se tornou um grande segredo, a barreira que antes era apenas uma singela cerca de madeira agora podia ser comparada com a própria muralha.

- Um pouco – digo sendo convencido pelas palavras da terapeuta que rondam constantemente na minha cabeça quando me deparo com as situações mais desconfortáveis.

“Seja maleável com os fatos da sua vida, se há algo que te incomoda ou desagrada, enfrente-a e modele-a para que possa lidar com elas. É uma questão de troca, sempre deverá haver sacrifícios ou batalhas para que se conquiste benefícios e vitórias”

Sento-me de frente para ele e pego os hashis sobre a mesa para alcançar um dos sashimis que havia em uma bandeja, claramente comida comprada, coisa que já esperava. Apenas me surpreendo por notar que ele parece ter ficado aqui me esperando por algum tempo, já que há uma xícara de café usada ao seu lado enquanto a comida ainda permanecia intocada até o presente momento.

- Er... – ele pigarreia por alguns instantes e ergo meu olhar para encara-lo, sua presença ainda não me deixa completamente seguro e seu olhar perdido me deixa ainda mais constrangido pela interação que tentamos desenvolver. Sei que a nossa exímia distância sempre fora um empecilho camuflado pelo amor da minha mãe por nós dois, mas agora que temos somente um ao outro percebemos como somos apenas estranhos dividindo o mesmo teto e a mesma dolorosa saudade da mesma mulher – Como foi sua semana?

Depressed || KiriBakuOnde histórias criam vida. Descubra agora