Capítulo 36 | Toc, Toc

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[Sammy]

O que fazer quando algo surreal acontece com você? Choque. Espanto. Surpresa. Tristeza. Pavor. Medo... Dor.

Eu ainda remoía a situação com Todd cada vez que fechava meus olhos. Podia sentir vividamente a força de um adulto acertando meu rosto, seu peso me esmagando e os beijos asquerosos me deixando enjoado; o pânico paralisando meus músculos e a sensação de terror congelante na minha espinha. As lembranças e sensações me sufocavam a ponto de eu acordar no meio de um sono totalmente apavorado, voltar a dormir e acordar de novo com a garganta seca e dolorida. Embora fosse recente demais para dizer se eu superaria, algo me fazia sentir que minha memória não seria apagada. Quisesse ou não, eu jamais esqueceria nunca a tentativa de abuso sexual que sofri.

❤︎ ❤︎ ❤︎

Minha mente voltou à ativa depois de outro pesadelo, trazendo-me ao mundo real. Abri os olhos e bati as pálpebras, confuso. Não estava em meu quarto e nem em minha casa. Pelos braços ao redor do meu tronco, deduzi que Alaska me fazia companhia. Com cuidado, me desvencilhei dela e sentei na cama. Esfreguei minhas têmporas pesadas, passei a mão pelo cabelo seco. Só então notei alguns cortezinhos em meus braços causados pelos cacos de vidro no chão durante a cena. O que acontecia era tão mais assustador que o vidro não me incomodou lá.

— Sammy...? — a sonolenta Alaska chamou, tateando o colchão.

Ela se levantou depressa, assustadamente preocupada, e se acalmou ao me ver. Mais recuperada, chegou as costas para a cabeceira da cama e jogou o cabelo esvoaçado para trás.

— Desculpe. Não queria te acordar.

— Não. — Um bocejo involuntário escapou de seus lábios. — Tudo bem. Eu só estava tirando um cochilinho rápido.

— Você sabe onde a minha mãe está?

— Sua mãe? Acho que na casa de vocês.

Lá em casa?

— O quê? Ela está lá? Com o Todd?

— Não, não. Ele não está lá. — Alaska tranquilizou-me. — Mais cedo meu pai foi ajudar Josett a retirar tudo de Todd que estava lá. Pelo visto ele apareceu bêbado e eles tiveram que chamar a polícia. Deve estar arrumando a bagunça por lá agora.

Ela estar sozinha não me acalmou.

— Acho que eu preciso ir para casa.

— Eu posso ir com você.

— Não precisa. — Fiquei de pé. Ainda vestia meu pijama. — Eu acho que preciso de um tempo sozinho com ela.

Alaska fez uma careta desagradável.

— Você tem certeza?

Eu tinha? Nem sabia o que pensar direito. Apenas balancei a cabeça positivamente e marchei porta a fora, sem prestar atenção no que Alaska gritou quando eu saí. Lá fora, o ar de fim de tarde era fresco. No curto caminho que levava da casa de Alaska até a minha, remoí muitas coisas. Me surpreendi ao ver uma pilha de coisas na calçada de casa. Lá estava uma poltrona de couro preto — onde Todd costumava assistir seus jogos de baseball —, pilhas e mais pilhas de revistas de esportes e artigos de jornais, uma caixa de ferramentas e roupas emboladas num cesto verde. O cheiro de lavanda atingiu minhas narinas quando passei pela porta. A casa estava limpa e cheirosa.

— Mamãe? — chamei. Não houve resposta. Fui para a cozinha e não avistei ninguém. Reparando aquele cômodo onde tudo aconteceu, meu estômago embrulhou. Passei na sala e subi as escadas. Para meu alívio, a porta do quarto de minha mãe estava aberta e uma caixa cheia de fotografias abertas descansava em seu colo. — Mamãe...? — chamei de novo. Ela tratou de enxugar o pranto imediatamente. Parei na frente dela, de joelhos no chão. — Tudo bem...?

Quase ClichêsOnde histórias criam vida. Descubra agora