Quase Clichês

Capítulo 31 | Decepções

[Alaska]

O barulho estrondoso do trovão lá fora não me chamou a atenção, porque Allison nos encarava, estática. Seu olhar era um misto de choque com o amargo desgosto.

Fiquei tão chocada de perceber que minha irmã presenciou parte daquela cena que esqueci do mundo. A única coisa que eu podia ver era a mágoa desenhada no rosto de Allison. Sentir que a deixei naquele estado era pior que levar um tapa da minha mãe. Não pude respirar. Minhas narinas dilataram e um bolo formou entre as cordas vocais.

— O que está acontecendo aqui? — para piorar, mamãe se juntou a filha mais velha, na porta da cozinha, terminando de amarrar o roupão.

Papai apareceu um segundo depois. E infelizmente, por Alex não ter se afastado o bastante, era visível o que acontecia. Eles nem precisaram perguntar. Tiveram certeza ao verem a cara de Allison, que automaticamente alastrou nas próprias. Empurrei Alex e dessa vez consegui que ele recuasse para eu descer da bancada. Não fui para perto dos meus familiares. Sequer consegui sustentar seus olhares contra mim. Abaixei o rosto imediatamente. O que eu poderia dizer para amenizar? Nenhuma desculpa serviria. E, sinceramente, talvez eu merecesse qualquer sentimento de ruim atirado. Eu quem causei isso tudo. Era culpa minha.

— Allison... Não é o que parece. — Alex tentou, dando uns passos para perto da namorada. — Você sabe que eu te amo...

Eu tive asco de seu cinismo. Como a amava e beijou a irmã mais nova? O que tinha para explicar? Nada. Allison não se moveu nenhum centímetro.

— Saia! Agora! — papai rugiu, furioso.

Eu dei um pulinho para trás, assustada. Era a primeira vez que o via falar daquele modo tão grosseiro com alguém.

— Senhor Willson, eu...

— Saia! — minha mãe praticamente rosnou. — Pegue suas coisas e vá embora dessa casa para sempre! Nunca mais toque os pés aqui ou eu... Eu nem sei o que eu faço!

Não tinha mais jeito. Nada que falar. Alex aguardou alguns segundos, esperando que Allison intervisse em seu favor. Depois de ver que ela não faria, ele saiu, suspirando pesado e me deixando diante três leões. Ela viu tudo. Ela viu. Minha irmã me viu beijando o namorado dela na cozinha dos nossos pais. Imagine se fosse eu no lugar dela? O quão quebrada eu ficaria? Muito, e nem de longe era tão sentimental quanto Allison. E meus pais... Eles não tinham muito favoritismo nas filhas, mas nenhum compactuaria com algo tão sujo. E com razão. O que fiz foi imperdoável. Agi como uma cadela da pior espécie. Estremeci. A vergonha, o nojo, a decepção comigo mesma recaíram feito um peso de cem toneladas nas minhas costas. Reagindo ao emocional, meu rosto tremeu, e percebi que o choro já tinha saído a muito tempo. Lágrimas pingaram do meu nariz. As três figuras continuavam na entrada do cômodo, incompadecidos diante meu sofrimento. Tentei falar, mesmo com a voz pesando e incapacitada.

— E-Eu sinto muito. E-Eu não queria...

— Como você pôde, Alaska? — Allison tirou minha chance de tentar consertar as coisas.

Meu mundo desabou. Eu preferiria que as palavras dela estivessem munidas de ódio e desprezo do que tamanha decepção. Allison estava mais chateada comigo, porque eu era a irmã dela e a apunhalei da pior maneira possível... Por um garoto que nem valia a pena. Nenhum garoto valia mais a pena que ela. Allison sempre fora uma irmã bondosa, gentil e muito próxima. Cobiçar o namorado dela era errado desde... desde sempre. Por muito tempo eu soube que aquela paixonite por Alex estava errada, e, de tanto insistir nela, deu no que deu. Jamais quis magoar Allison assim... E magoei. Isso não tinha perdão. Ela confiava em mim e joguei sua confiança fora. Pensar nisso me deixou em milhares de pedacinhos por dentro. Esperei esperançosamente que ela brigasse comigo, me xingasse ou me batesse. Eu aceitaria de graça e bom grado. Por favor, pelo bom Deus, que ela me atire pela janela, supliquei incansavelmente. Mas Allison manteve aquela tristeza e desapontamento, para então sair sem dizer nada. Solucei.