O som das ondas

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Shoto saiu do vestiário sem falar com ninguém e resolveu ir até a barraca para terminar de arrumar as coisas para partir naquela mesma noite. Assim que virou o corredor, porém, topou com o namorado encostado na parede com o cabelo molhado e roupas casuais de quem também tinha acabado de sair do banho há pouco tempo. Parou na frente do garoto, mas não sabia como começar qualquer assunto, portanto apenas repetiu o gesto dele de olhar para o chão. Aquela provavelmente era a primeira vez que o clima entre os dois ficava pesado assim desde que começaram a sair.

Passado um tempo, começou a sentir impaciência pela situação esquisita, por isso levantou o rosto depois de alguns segundos e arriscou.

— Você tem um minuto?

Sem dizer nada, Izuku o encarou e confirmou com a cabeça. Enfim, foram parar na praia, sentados estrategicamente entre algumas pedras onde ninguém que passasse por ali os visse. A água cristalina empoçada perto dos pés dos rapazes estava cheia de pequenos peixes e uma brisa soprava fresca. Parecia ser um lugar divertido de se passar férias de verdade, enfim. Suspirou. Por mais que quisesse que Izuku se divertisse, ficar mais uma semana à toa longe dele era definitivamente uma das coisas que o chateava.

— Shoto-kun… — Ouviu seu nome em uma voz indecisa que o tirou dos próprios pensamentos. Izuku chegou um pouco para trás e então juntou as palmas das mãos, se curvando sobre as pernas, mesmo sentado. — Me desculpa de verdade por ter quebrado nossa promessa.

Shoto suspirou, um pouco surpreso. Aquela definitivamente não era uma das coisas que o chateava.

— Não foi nada — respondeu, abaixando os olhos. — Você fez o que precisava fazer e tecnicamente aquilo nem pode ser considerado me enfrentar… Foi uma ótima estratégia, na verdade.

— Mas eu te joguei nos lasers…

— Bom, eu me joguei nos lasers para te atrapalhar uma ou outra vez também — Shoto ponderou. — É sério, eu não fiquei bravo por causa disso.

— Mas você ficou bravo…

Shoto virou a cabeça na direção do garoto ao lado. A expressão de preocupação do outro o fez morder o lábio por um segundo. Como alguém conseguia ser tão forte, inteligente, legal e indulgente ao mesmo tempo? Suspirou e encarou as plantinhas que cresciam perto de seus pés. Talvez colocar para fora seria um bom método de entender os próprios sentimentos, afinal.

— Não é que tenha sido por perder, — começou incerto, — mas… As vezes eu sinto que estou ficando para trás em relação à você. Tenho medo de terminar igual ao meu pai, perseguindo um posto, tentando ser o melhor… Mas ao mesmo tempo nós estamos juntos. E eu não quero ter que competir contigo desse jeito, só que não consigo evitar de me comparar… Eu tenho medo do que isso pode significar...

A voz de Shoto foi morrendo aos poucos e, por fim, ele engoliu em seco. Sentia-se de certa forma exposto e vulnerável, além de todos os sentimentos que havia descrito, e começou a fazer um esforço para não começar a chorar. Em um segundo, porém, um par de braços envolveu sua cabeça, puxando-o para o peito do rapaz que começou a soluçar até que lágrimas quentes caíssem nos ombros do outro. Abraçou-o de volta. Naquele ponto, não sabia se estava consolando ou sendo consolado, mas o som das batidas do coração de Izuku o ajudaram a se acalmar até que finalmente se soltaram, receosos. Ajudou-o a limpar o rosto antes de ouví-lo completar:

— Eu não sabia que estava se sentindo assim… — Izuku esfregou o rosto com força, usando as costas da mão durante um tempo e Shoto apenas observou-o. Naquele instante, começou a desejar poder ficar ali junto com o outro por mais tempo. Antes que pudesse respirar fundo, porém, ele continuou — Eu… t-também não me acho páreo para você, já que…

— Para mim? — Shoto acabou o interrompendo sem querer, e então fez um gesto curto para que o rapaz prosseguisse.

— É- é que… V-você é sempre tão legal, inteligente, forte… e bonito… Às vezes eu me sinto impressionado que alguém assim gosta de mim… M-mas o que eu quero dizer realmente é que nos últimos meses a ideia de terminar a escola tem colocado uma pressão enorme em cima da gente sobre essa coisa de ser bom e ser o melhor. Mesmo o All Might não se formou já sendo o número um. — Izuku parou por um segundo antes de continuar. — E nós não somos eles, afinal. Tenho certeza que vamos encontrar um jeito de fazer tudo dar certo para nós dois, se você quiser…

Shoto olhou-o inexpressivo por um momento antes de concordar com a cabeça, hesitante. Quietos, se aconchegaram um ao outro para terminar de ver o pôr do sol. De alguma forma, o som das gaivotas e cheiro de maresia combinavam com o calor emanado pelo menino ao seu lado, dando uma certa tranquilidade ao ambiente. Ainda não sabia o que sentia, mas Izuku estava certo: com o esforço adequado eles poderiam dar um jeito. Apenas a presença do rapaz fazia as coisas parecerem que dariam certo.

— Eu te admiro — disse baixinho, quase murmurando.

— Eu também te admiro. — o garoto o olhou de baixo. — Obrigado por me contar o que está sentindo.

— Sim. — Shoto acenou com a cabeça. — Acredito que devemos poder confiar um no outro para dizer essas coisas assim.

— É-é… — Izuku subitamente se desvencilhou do abraço de forma um tanto quanto defensiva, surpreendendo-o. — A-ah, bem, tem uma coisa que eu quero te perguntar. O que acha de passar essa última semana de férias lá em casa?

— Sozinho?

— Que?

O garoto franziu as sobrancelhas, mas corou um pouco. Shoto não entendeu o que ele tinha entendido, mas resolveu se explicar.

— Você vai ficar aqui, certo?

— Ah... B-bem, eu estive pensando sobre isso no banho. Não tenho certeza se vou me divertir muito sem você e o pessoal de qualquer forma. — Realmente, Shoto ponderou, todas as pessoas do grupo de amigos deles tinha ficado na equipe vermelha, o que deixou a tarefa bem mais tolerável para ele e provavelmente bem pior para o outro rapaz. — Além do mais, tem algumas coisas que preciso resolver para minha mãe… E t-também… Eu quero contar para ela…

Shoto piscou algumas vezes para entender que era sobre o namoro deles a que Izuku se referia. Era um passo bem importante e sério, mas conhecendo-o, sabia que já havia posto algumas horas de reflexão em cima disso para tomar aquele tipo de decisão. Além de tudo, a mãe do rapaz não parecia ser o tipo de pessoa que propositalmente faria algum mal para alguém.

Pensando bem, Shoto não sabia quase nada sobre a família do namorado além daquela moça ter um olhar doce e parecer bastante com o filho. Ainda assim, confirmou uma última vez se o outro tinha certeza antes de concordar, por fim. Àquela altura, algumas estrelas já apareciam no céu e os dois precisavam voltar para pegar as coisas e partir.

— Izuku… — Chamou-o em um momento que ficaram sozinhos na barraca, quase terminando de arrumar as bolsas. — Tudo bem se eu não falar para os meus pais sobre a gente por agora?

— Ah, t-tudo… — A resposta veio acompanhada de um sorriso e coçar de nuca. — Na verdade, acho que seu pai viria pessoalmente botar fogo em mim caso descobrisse de qualquer jeito.

— Hum, — Shoto deu de ombros. — Ele que tente…

A história de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora