Máscaras que caem

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— Você!

Izuku não se mexeu, mas Shoto deu um passo involuntário para trás. Ao seu lado, Yuga parecia não saber se corria na direção daquele homem ou se assumia uma postura defensiva. Sob a luz fraca e tremida da chama amarelada, a figura de Kigi parecia ainda mais alta, conforme ele se pôs de pé. Antes que qualquer coisa pudesse acontecer, porém, Shoto levantou o outro braço e uma parede esbranquiçada de gelo prendeu completamente o até então adversário, deixando de fora apenas dos ombros para cima. Kigi pareceu querer começar a dizer algo, mas foi interrompido por Izuku.

— Foi você que os matou?

— Ninguém está morto aqui. — O homem manteve o tom de voz calmo, apesar da situação bizarra, fazendo Izuku ranger os dentes. — Não ainda, pelo menos. Eu preciso que vocês fiquem calmos agora e me ajudem com isso. Nós provavelmente só temos algumas horas para...

— Que quer dizer? — Yuga cortou-o, quase gritando. — Kigi, o que está acontecendo? O q-… O que você está fazendo aqui? Por que todo mundo está… assim? 

— É o que todos queremos saber. — A voz do diretor veio de atrás, mas ecoou irritada por todo o cômodo. Os garotos se viraram para então ver o grupo de professores ainda terminando de descer as escadas para se deparar com as filas de alunos no chão. Uma cena que parecia ser chocante até para eles. Contudo, o diretor parecia sóbrio o suficiente para cruzar os braços e levantar as sobrancelhas na direção de Kigi. — Como foi que a polícia chegou à esse lugar antes mesmo do corpo docente da U.A., detetive?

— Detetive? — Izuku finalmente se pôs de pé e alternou o olhar entre o homem preso pelo gelo e o diretor.

Shoto também parecia bastante confuso pelo semblante em seu rosto, mas se recusou a abaixar a guarda até que a mão de Midnight lhe tocasse o ombro, pedindo para que aliviasse a temperatura que mantinha o outro congelado. Só então ele respirou fundo e abaixou a mão, pronto para escutar o que Kigi tinha a dizer.

— O senhor diretor já deve saber, há quatro anos nós temos investigado esse vilão conhecido como Sonífero, por causa da individualidade de deixar as pessoas desse jeito. — Kigi gesticulou com a cabeça na direção dos alunos deitados e o diretor concordou com a cabeça, pedindo para ele continuar. — Uma toxina muito poderosa, quando injetada, que pode levar à morte. Bom, nós temos convicção que ele tinha ligação com Head Hunter, considerando o efeito e as características extraídas do sangue de pacientes afetados pelos soros que esse vilão usava…

Izuku apertou os punhos. A menção daquele nome ainda o causava calafrios, e saber que alguém que trabalhava para ele ainda estava à solta era de fazer o sangue ferver. Provavelmente por isso a técnica de sumir com os alunos tinha sido tão similar à forma como Ojiro fora capturado antes. Mas alguma coisa ainda estava estranha. Na época, ele e Shoto tiveram que ir até quase outra cidade para encontrar o vilão, mas agora tudo estava acontecendo dentro da própria escola. Eraser Head pareceu ter a mesma dúvida ao cruzar os braços:

— E por que ele manteve os corpos aqui?

— Veja bem, — Kigi continuou, sem nenhum abalo no tom de voz. — Desde que Head Hunter foi preso, Sonífero começou a agir diferente aqui e ali. É um pouco óbvio, já que seu principal comprador sumiu do mercado. Então, há alguns meses, tivemos a informação de que ele estava entrando em contato com a liga de vilões e, logo, a U.A. passaria a ser seu maior alvo em breve. Recentemente estive investigando essa área e os alunos e, quando soube do festival cultural, imaginei que seria a oportunidade rápida e perfeita para se desestabilizar a escola com o sumiço de muitos alunos e professores, principalmente se um deles for o All Might em pessoa. Mas é difícil tirar tanta gente daqui ao mesmo tempo, por isso ele precisou escondê-los em algum lugar e voltar depois.

— Então você estava aqui sozinho esperando o vilão aparecer para prendê-lo? — Shoto disse, e então abaixou o olhar por um momento, certamente para raciocinar sobre o que tinha acabado de escutar. — Isso não faz muito sentido…

— É porque eles não querem prendê-lo.

A voz do professor Aizawa era dura e Izuku não pôde deixar de se sentir confuso com essa afirmação. Um vilão importante como aquele se juntar à Liga seria um grande problema. O correto a se fazer seria levá-lo preso. Kigi pareceu perceber as expressões nos rostos dos três jovens e respondeu, com um meio sorriso.

— Seus métodos e nossos métodos de ação são diferentes, veja bem. Um cientista do calibre desse homem não pode ser simplesmente desperdiçado indo para a cadeia. E como a motivação dele aponta para ser puramente monetária, não há nada que uma boa proposta não converta para o serviço especial… — Kigi suspirou — Bem, de qualquer forma, está tudo arruinado agora que vocês estão aqui e tanto o plano dele quanto o meu não vão se concretizar. Se puderem me soltar, nós terminamos de acertar os trâmites legais da minha investigação…

— Um instante! — Vlad King cruzou os braços ao falar. — Tem gente demais burlando o sistema de segurança da U.A. ultimamente. Como foi que você entrou aqui?

Um segundo de silêncio se passou enquanto os três alunos de pé perceberam a própria responsabilidade nessa história, já que tinham sido eles a ensaiarem entradas e saídas pelo jardim de trás por algumas vezes, sob as vistas daquele homem que agora parecia mais um estranho do que o amigo de antes. Não era como se tiver sido pegos uma vez não fosse problemático, mas ensinar alguém a entrar na U.A. sem ser detectado era outro nível de problema, e poderia facilmente render uma expulsão. No entanto, Kigi apenas abaixou a cabeça e contraiu os lábios de leve. Antes que o professor pudesse perguntar outra vez, porém, Yuga admitiu 

— Fui eu, eu o coloquei para dentro. — Devagar, o rapaz deu as costas para todo mundo e caminhou na direção do outro, até estar perto o suficiente para encará-lo de baixo ao apontar para os colegas no chão com o braço esticado. — Quando você se aproximou de mim, foi por causa disso aqui?

— Cherie…

— Não me chama assim! — Yuga subiu o tom de voz, e deu para perceber como ela soava tremida. — Você mentiu para mim sobre seu emprego, mentiu sobre não conhecer os heróis. Você… se aproximou de mim por causa de uma investigação? Para conseguir entrar na U.A.?

— No começo sim…

Um estalo foi ouvido por todos e, no instante seguinte, uma das bochechas de Kigi estava vermelha. Mesmo que àquela altura o gelo já tivesse derretido o suficiente para que seus braços fossem soltos, não parecia que ele se esquivaria daquele tapa de qualquer forma. Era também a primeira vez que sua expressão pareceu abalada naquela tarde. Yuga se virou para sair, mas foi interrompido. 

— Che… Aoyama-san… a ideia inicial era fazer amizade contigo sem me envolver tanto… mas eu não podia imaginar que ia me dar uma carta daquelas e ser um cara tão legal… Tudo depois disso foi real. Eu gosto de você de verdade, mas eu não podia te colocar em risco… 

— Real? — Aoyama parecia prestes a cortar o homem com um laser a qualquer segundo, ao invés, ele se virou novamente e encostou a ponta do dedo no peito de Kigi — Pode pegar aquela carta, rasgar e enfiar no cu.

Depois dessa frase, que deixou até mesmo os professores sem reação, o garoto voltou para o lado de Shoto e Izuku e os três foram despachados de volta para os dormitórios sem maiores explicações. 

A história de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora