Bisbilhotagem

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Assim que saíram do prédio do teatro, os rapazes não deram mais que alguns passos pelo caminho que os trouxera ali antes que Aoyama começasse a soluçar. Os outros dois se entreolharam, agitados, até que Izuku pôs a mão no ombro do amigo, que praticamente se jogou em seus braços, murmurando alguma coisa sem sentido aparente. Shoto observou os ombros do próprio namorado endurecerem por um momento de confusão, mas então ele retribuiu o abraço até que os dois estivessem chorando juntos sob uma brisa fraca. 

Era ainda impressionante para ele a forma como Izuku conseguia empatizar com as outras pessoas tão profundamente e ser um apoio emocional tão bom. Nesse quesito, Shoto sentia que podia apenas observar, pois ainda que quisesse ajudá-los, não saberia como nem o que fazer direito.

Aos poucos, foram caminhando devagar até os dormitórios, assim que Aoyama se acalmou o suficiente para se por em movimento.

Ao passar pela porta de entrada, os colegas de turma estavam todos no hall esperando pelos três, mas ninguém se atreveu a perguntar nada quando viram o rapaz chegar chorando, abraçado em Izuku, que ainda dava algumas batidinhas nas costas do amigo. Por fim, Shoto acabou responsável por explicar o que tinha acontecido, enquanto os outros dois foram na frente para lavar o rosto. Contar exatamente o que havia acontecido era impossível. Portanto, acabou tendo que mudar e omitir alguns pontos da história toda, em meio às curiosidades dos colegas, para não entregar o próprio relacionamento amoroso e também não expor a intimidade de Aoyama. Mentir era cansativo. Toda essa história estava sendo irritante e cansativa, afinal. Àquela altura, só queria tomar um banho e lavar a maquiagem, já toda borrada do rosto, ainda da peça de teatro fracassada. 

Mais algumas horas se passaram e a noite já tinha chegado quando os professores chamaram a turma para dar informações: como eles não sabiam o antídoto para a toxina, todos os afetados permaneceriam internados até segunda ordem. Isso incluia o All Might. Não era como se eles não já esperassem por essa, mas o rosto de Izuku empalideceu mesmo assim. Era bastante coisa para ele lidar, no fim das contas. Shoto também não pôde deixar de ficar preocupado sobre o andamento dos treinamentos dos dois, mas principalmente estava preocupado com o estado emocional do namorado no último semestre da escola. Precisariam conversar depois.

De maneira surpreendente, eles não estavam em apuros dessa vez, ao que tudo indicava, considerando o fato de que não tiveram a atenção chamada em nenhum momento. Shoto especulou que Kigi tivesse dito algo aos professores que os fez escapar do castigo e foi grato por isso, mesmo que estivesse na defensiva em relação ao homem tê-los enganado por tanto tempo.

Ao acabar de tomar banho, seguiu para o refeitório junto com todo mundo e o clima no jantar estava extremamente pesado, devido à quantidade recente de perda da pessoas, que eles sequer sabiam se iriam acordar um dia. Depois de comer, jogou as embalagens fora e foi organizar algumas coisas no quarto antes de ir até o segundo piso procurar pelo namorado. Bateu algumas vezes na porta de Izuku sem resposta e coçou a testa. Normalmente perguntaria por ele para um dos vizinhos, mas o quarto de Mineta estava vazio e seria uma péssima ideia incomodar Aoyama agora. Resolveu, então, descer e procurar pelas áreas públicas do alojamento. 

Por mais que não estivesse muito tarde, o hall agora estava vazio e os corredores que levavam ao refeitório tinham um ar meio mórbido. Alguns colegas conversavam em voz baixa aqui e ali nas mesas ainda, mas não encontrou nenhum sinal de Izuku. Nem nesse lugar, nem no vestiário, nem na entrada da frente. 

Shoto vagou sem rumo por um tempo, se perguntando o que tinha acontecido, e já estava começando a ficar preocupado, quando ouviu a voz do namorado desde uma janela que dava para perto dos armários de limpeza externos.

— E-eu…

— Perguntei o que você vai fazer! — Shoto estava prestes a chamar o menino, mas a voz de Bakugou o interrompeu. Na hora, soube que não era algo em que deveria se intrometer tão casualmente, mas ao mesmo tempo, seus pés não queriam se mexer para ir embora. — O All Might tá fora de jogo e você não vai conseguir dominar o One for All até o final do ano…

— Eu vou! — Izuku soou indeciso, apesar de suas palavras. — Não posso deixar ninguém na mão agora. Eu vou treinar dia e noite se precisar…

— E isso vai ser suficiente?

— N-não sei, mas… Não tem mais ninguém que saiba sobre isso e possa me ajudar, eu só posso continuar treinando…

— Mais ninguém sabe mesmo? — De certa forma, a voz de bakugou soou mais suave que o normal, como se estivesse realmente preocupado com Izuku. Nessa hora, Shoto franziu o cenho e apertou os punhos sem mesmo perceber. — Cara, você vai se enfiar em um buraco se quiser levar as coisas assim.

— O que eu deveria fazer então? — Izuku, por outro lado, pareceu se irritar com o outro. — O All Might deu isso para mim, está contando comigo. Não posso arrastar mais ninguém para os meus próprios problemas.

— Falou então. — Bakugou tinha voltado para sua voz habitual depois de ouvir o fora do outro, mas mesmo assim o teor daquela conversa soava tão fora do lugar para Shoto, que ele não conseguiu deixar de prestar atenção. — Espero mesmo que saiba o que está fazendo. Depois não vem chorando pro meu lado, idiota, porque você já sabe o que eu penso dessa merda.

Shoto escutou passos indo embora dali e então notou que havia se encostado na parede, como um criminoso, para escutar a conversa dos outros. Deveria estar envergonhado disso, mas o que tinha acabado de ouvir o deixou agitado. Suspirou e esperou até que Izuku saísse também para voltar pelo corredor até o elevador. Se deu conta de que estava tremendo apenas quando a porta estava fechando e avistou o namorado vir correndo na sua direção, de modo que precisou segurá-la para que ele conseguisse entrar. Um tempo de silêncio se passou. Shoto sabia que o assunto anterior não lhe dizia respeito, como Izuku mesmo tinha dito ao outro rapaz, mas mesmo assim era difícil encará-lo depois de tudo.

— Eu estive te procurando… — disse olhando para o teto, cuidando para manter um tom casual.

— Ah… E-eu estava terminando as coisas no refeitório mais cedo… Sabe como o pessoal às vezes se empolga na conversa...

— Entendi.

Shoto se manteve inexpressivo. Seja lá qual fosse o motivo para o garoto estar mentindo, ele também não poderia contestar sem entregar que esteve ouvindo demais. Mordeu um pouco do lábio de baixo e puxou o ar devagar. Não era problema dele, afinal...

— Shoto-kun, — Izuku segurou o elevador parado já em seu andar e coçou a nuca com a outra mão. — Sobre os treinamentos matinais…

— Vamos manter, se você quiser…

— Sim. — Com os olhos grandes, ele pareceu querer dizer mais alguma coisa, mas se conteve e abaixou a cabeça em um suspiro curto. — Obrigado, de verdade.

Assim que a porta se fechou, Shoto soltou o ar todo de uma vez, sentindo-se um pouco zonzo e com os olhos ardendo devido ao cansaço dos últimos dias. Andou devagar até o próprio quarto e arrumou o futon metodicamente, enquanto matutava o acontecimento de alguns minutos atrás. Por mais que seu corpo estivesse sentindo pesado, demorou bastante a pegar no sono naquela noite.

A história de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora