Nós do passado ao futuro

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— Eu… nasci com defeito.

Shoto ficou completamente imóvel depois daquelas palavras. Em partes porque o jeito como o outro garoto as disse fazia seu coração se apertar, deixando-o sem conseguir nem mesmo pensar no que responder. Mas também porque a conversa estava indo por um caminho curioso. Izuku já tinha feito alguma coisa de menção à pessoas sem individualidade vez ou outra, mas aquele assunto sempre pareceu algo tão distante à Shoto, como uma curiosidade aleatória, que ele nunca realmente se preocupou em prestar atenção. Contudo, dessa vez soava diferente. Engoliu em seco, antes que o rapaz continuasse contando a própria história:

— Sabe quando você tem uns quatro ou cinco anos e a individualidade de todo mundo da escola começa a aparecer? — Shoto levantou os olhos para concordar com a cabeça. Tinha nítida a memória do dia em que começaram os treinamentos pesados, desde bem pequeno, por ter manifestado um poder considerado adequado pelo pai. Estava começando a reviver mentalmente esses dias, quando o outro interrompeu seus pensamentos. — Bom, para mim nunca aconteceu. Nós achamos que fosse algo tardio, mas quando todos os meus colegas já tinham e eu não, minha mãe me levou ao médico e ele me explicou essa coisa do dedinho. Eu… bem, eu nunca vou ter uma individualidade própria.

Shoto encarou as próprias pernas, confuso sobre aquela informação. Claramente o menino tinha uma individualidade, por isso o que ele estava dizendo não condizia com o que o outro conhecera desde o primeiro ano da U.A.. Um monte de perguntas começou a se formar em sua cabeça, mas preferiu continuar a escutá-lo e, desta forma, pediu para que prosseguisse.

— B-bem… eu sempre sonhei em ser um herói, desde bem pequeno, e talvez tenha entrado um pouquinho em negação sobre os meus limites. — Izuku coçou a nuca e levantou as sobrancelhas, visivelmente pensando no que dizer. — Eu estava convencido de que poderia fazer alguma coisa, talvez usando a inteligência, por isso comecei a escrever tudo que podia sobre heróis nos cadernos, até que isso acabou virando um hobby… Você sabe. É claro que as outras pessoas me d-desencorajavam…

Shoto apertou o lençol sob suas mãos. Sabia exatamente o que "desencorajar" queria dizer. Também conseguiu entender da onde vinha toda aquela atitude de Bakugou e isso mais uma vez o encheu com uma espécie de raiva com a qual não sabia bem como lidar, ao ver o menino à frente morder o lábio. Contudo, ainda havia a questão da super força a ser explicada, por isso tomou as rédeas para direcionar a conversa.

— E sua individualidade? Se desenvolveu tardiamente mesmo?

— N-não… — Izuku gesticulou para que ele esperasse e Shoto concordou, para ouvir o resto da história. — No último ano do fundamental eu já tinha chegado um pouco ao meu limite, mas mesmo assim reuni o resto da coragem que tinha e me inscrevi na prova da U.A.. Você consegue imaginar o fiasco que me esperava? N-não é como se eu não soubesse que não tinha chance, mas foi como uma última gota de esperança, ou talvez o que eu precisava para realmente desistir desse sonho… até que, alguns meses antes da prova, eu conheci o All Might por acaso. É claro que ele também tentou me desencorajar a princípio, mas aí um vilão atacou o Kacchan e quando eu dei por mim, já tinha me jogado para salvá-lo. Foi uma confusão e nós quase morremos, mas os profissionais resolveram tudo. — Izuku suspirou depois de falar tudo aquilo de uma maneira apressada, que o outro se esforçou para acompanhar, então assumiu um tom mais sério. — No fim do dia, All Might me disse que eu poderia ser um herói e ofereceu a individualidade dele. Daí eu aceitei.

— Como assim? — Shoto interrompeu sem querer, mais pela surpresa que aquelas palavras lhe causaram. Contudo, toda aquela conversa era, de alguma forma, tão fora da realidade, que se conteve. — Perdão. Prossiga.

Izuku ficou um tempo olhando para as próprias pernas, deixando um silêncio pesado no ar, mas depois engatou em uma história sobre um homem que manipulava individualidades e outro homem capaz de passar individualidades adiante. Sobre como a rivalidade entre os dois estava relacionada ao domínio do mundo, ao símbolo de heroísmo e à liga de vilões, indo parar nas mãos do All Might a responsabilidade de deter um vilão extremamente poderoso, e depois nas mãos de Izuku. 

A história de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora