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Vinte horas? Dois dias? Uma semana? Eu não sei. Eu realmente ja perdi a noção do tempo que eu to trancada sem ver sequer uma luz entrando nesse quarto. Eu realmente perdi a noção do tempo. No início eu tentei contar os minutos pra saber quantas horas estaria presa aqui, mas me perdi em dez horas e cinquenta e dois minutos.

Eu só sei que meu estômago se contorce de fome e minha boca ja se assemelha a um deserto de tão seca. Não consigo entender ou ter uma pequena noção do que meu pai fez pra esse povo pra eu estar passando por esse inferno, e nem sequer sei se eu realmente vou sair viva disso. Eu ja perdi totalmente minhas esperanças.

Pra falar a real situação em que eu estou, eu mijei no quarto inteiro, tentando deixar pelo menos a cama intacta, então o cheiro de urina seca aqui ja ta insuportável.

Eu não sabia mais o que fazer pra passar meu tempo. Se eu dormi cinco horas desde que eu cheguei aqui foi muito, porque não consigo pregar os olhos. Com o combo desidratação + desnutrição + cansaço eu ja tinha começado a alucinar. Pra vocês terem uma idéia, eu cheguei a conversar com a minha avó. E apesar de eu saber que era uma alucinação por ser impossível disso acontecer ja que ela morreu, meu subconsciente realmente acreditava que era real, tanto que até os afagos dela no meu cabelo eu senti.

Eu dei um pulo na cama quando comecei a ouvir a porta ser destrancada e me encolhi na parede, ja com medo de levar outra surra igual a que eu levei da última vez. Assim que a porta abriu, estranhamente eu senti um alívio ao ver a menina de cabelos coloridos e olhos azuis. Não sendo aquele tatuado, ja era lucro.

- Meu deus, isso aqui ta um fedor - ela fez uma careta e começou a se aproximar de mim. Eu tentei relaxar um pouco meu corpo, mas minha postura continuava tensa - Eu vim te contar que sua dica estava certa, então você vai ganhar um upgrade. - ela sorriu, quer dizer que hoje é quinta? Ela tirou uma garrafinha de água do bolso do grande moletom que ela vestia e eu peguei com desespero, lutando pra abrir a mesma e comecei a tomar - Daqui alguns minutos uma empregada vai te levar pra tomar um banho e se vestir. Nos encontramos mais tarde - e saiu do quarto, trancando a porta mais uma vez.

Assim que eu terminei de tomar a água inteira da garrafinha, eu sentei normal de novo, ainda ofegante, mas pelo menos com um pingo de água no corpo.

Alguns minutos que na minha concepção pareceram horas, uma senhora entrou no quarto. Ela tinha um olhar gentil. Pelo menos alguém, pensei.

- Eu vou te ajudar, querida. Vem comigo. - ela veio até mim e me ajudou a sair da cama. Sua voz carregava pena, e seu olhar também. Minha situação deve ser horrível, eu até imagino.

Assim que eu finalmente sai do quarto junto a ela, quase cai no corredor com a luz das lâmpadas que atingiram diretamente meus olhos que a muito não recebiam iluminação. Ela me levou até um banheiro enquanto eu continuava desnorteada e trancou a porta atrás dela, vindo até mim e me ajudando a tirar as roupas que eu vestia.

- Você quer que eu abaixe um pouco a intensidade da luz? - ela perguntou e eu assenti desesperadamente. Não falava porque sentia que minha voz não sairia. Assim que concordei ela se afastou e foi no interruptor de luz que continha um regulador de iluminação, e diminuiu um pouco, permitindo com que meus olhos se acostumassem com um pouco mais de facilidade com a claridade.

Eu observei o banheiro, ainda um pouco desnorteada, e vi que ao meu lado tinha uma banheira enchendo com algumas espumas se formando. Banho. Isso era música pros meus ouvidos.

Assim que a banheira se encheu por completo, a senhorinha me ajudou a sentar ali, e assim começou a passar a esponja pelo meu corpo que com toda certeza carregava muita sujeira. Nem mesmo a maquiagem daquela noite eu tinha tirado.

- Você... - limpei a garganta - Você sabe a quanto tempo eu estou aqui? - perguntei e ela me encarou com pena.

- Cerca de quatro dias, querida. - ela respondeu e eu arregalei meus olhos, sentindo a mesma começar a enxaguar meus cabelos agora.

Quatro dias. Quatro dias sem ver nenhuma claridade. Sem comer. Sem tomar banho. Sem tomar uma gota de água. Como eu sobrevivi a isso? Não faço ideia.

As feridas da surra que eu levei ardiam cada vez que eu sentia o sabão entrar em contato com a minha pele, mas eu realmente não me importava. Só de saber que eu realmente estava recebendo um banho ja me aliviava. Talvez agora as coisas melhorem um pouco, pensei. Bom, pelo menos é isso que eu esperava.

-...-

Pra minha surpresa, a senhorinha que eu descobri se chamar Offred me levou até um quarto limpo e com janelas. Sim, janelas. Tinham grades, mas tinha iluminação. E me deu uma calcinha, uma regata e uma calça de moletom pra vestir.

Assim que ela me deixou no quarto, disse que logo traria uma refeição pra mim. Vocês conseguem acreditar que meus olhos se encheram de lágrimas só de eu ver que ela havia me trago uma sopa?

Pelo fato de eu não ter comido pelos últimos seis dias, meu estômago não aceitou lá muita comida. Mas só o fato de ter algo entrando nele ja me deixou imensamente feliz.

Depois que eu terminei de comer ela levou a bandeja e falou pra eu descansar um pouco e assim eu fiz, até a garota de olhos azuis entrar pela porta.

- Se sente melhor? - perguntou chegando perto de mim e eu me encolhi um pouco.

- Sim, obrigada - murmurei com a cabeça baixa.

- Você ta bem mais educada. Acho que o Baylor te adestrou bem - comentou risonha e eu levantei meu olhar me segurando pra não dar nenhuma resposta e acabar me ferrando de novo.

- Você pode me dizer porque eu to aqui? - murmurei baixo e ela fechou o sorriso e me encarou com dúvida.

- Você realmente não sabe? - perguntou e eu neguei, vendo um sorriso sacana dançar em seus lábios - Teu pai é da máfia, você sabia disso? É por isso que vocês saíram do país de vocês. Ele tava pra ser pego, então ele se enfiou nos Estados Unidos pra se disfarçar, só que todas as máscaras caem algum dia né? E ele mexeu logo comigo e com a minha família - ela deu de ombros e eu a encarei sem acreditar em uma palavra sequer que saia da sua boca.

- Isso é mentira - franzi as sobrancelhas. Eu disse que essa menina é maluca.

- Você não é Darya Al-Attar? - eu assenti, como ela sabia meu sobrenome? - Sua família não vem de uma longa linhagem da realeza árabe? - eu assenti novamente - Então é você mesma, bonitinha - sorriu sacana enquanto se aproximava do meu rosto e eu instintivamente fui pra trás. - Bom. Agora eu vou indo, vim só ver se você gostou dos seus novos aposentos - riu - Ah, a noite meu irmão vem te buscar. Você vai ter uma noite longa - e saiu pela porta.

Só de lembrar daquele irmão dela eu senti toda a minha espinha se arrepiar. Agora o que eu vou ter que fazer essa noite é o que me intriga. Nada pode ser pior do que viver no meio da própria urina por seis dias sem comida e nem água, né? Pelo menos assim eu espero.

Fiquei o resto do dia pensando no que ela disse sobre meu pai e comecei a assimilar algumas coisas que aconteceram durante a minha vida. Internações, seguranças por toda a casa, a gente saíndo do nosso país do dia pra noite em um avião de carga... Bom, eu poderia ter ligado as coisas mais cedo? Sim. Mas quem imagina que o próprio pai é um mafioso? Eu realmente acredito que ninguém.

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EU NÃO AGUENTO MAIS

agora é o último real oficial boa noite

KidnappedOnde histórias criam vida. Descubra agora