ADORA
Respiro fundo, sentindo a brisa quente bater no meu rosto.Tentava não me distrair em meus devaneios enquanto dirigia. Minhas mãos suam e sinto um imenso frio na barriga. Não sei se deveria estar com um volante nas mãos nessa situação, mas não tem outro jeito.
Vez ou outra agarro meu colar, esfregando o polegar no fecho do pingente, mas não chego a abri-lo. Acho que fazem uns bons dois meses que eu não tiro esse colar, e que não vejo a pequena foto que há dentro dele. É como se fosse ele que segurasse o meu pescoço no lugar.
Minhas companhias são duas rosas - uma branca e outra vermelha - que estavam ao meu lado no banco do passageiro. O céu está azul, o sol brilha forte, o dia está bonito.
Meu pai sempre me ensinava a ver as coisas bonitas no mundo, mesmo nos dias mais sombrios.
"precisamos ser fortes e corajosos." era o que ele sempre me dizia.
Sinto falta dos conselhos, das brincadeiras, até dos puxões de orelha.
Sinto falta do ombro da minha mãe quando eu precisava chorar, e dos abraços apertados do meu pai.
Não consigo evitar deixar uma lágrima escorrer.
Muita coisa mudou em dois meses.
Me pergunto se eles me reconheceriam se me vissem agora.
Sinto um arrepio ao perceber que If you could see me now toca no rádio.
Gotta keep myself calm but the truth is you're gone.
(Tento me manter calmo, mas a verdade é que você se foi.)And I'll never get to show you these songs.
(E eu nunca vou poder te mostrar essas músicas.)Essa música tem um significado muito maior agora. Maior do que eu jamais imaginaria que poderia ser, maior do que eu gostaria que fosse.
Alguns dias têm sido mais difíceis que outros. Mas eu estou tentando.
Ainda é tudo tão recente, as memórias estão tão frescas na minha cabeça. Queria poder voltar no passado, ter mudado tudo, ter feito mil coisas diferentes.
Talvez, eu pudesse tê-los salvo.
Would you call me a saint or a sinner?
(Você me chamaria de santo ou pecador?)Would you love me a loser or winner?
(Me amaria se fosse um perdedor ou um vencedor?)Não consigo evitar de me sentir culpada, todos os dias.
Não pude evitar o que aconteceu, eu não estava lá.
Eu não estava lá para eles.
As vezes dói me olhar no espelho.
Mas eu preciso tentar, pelas pessoas que me amam, e por mim. Minha tia sempre briga comigo por isso. Penso muito nos outros, mas pouco em mim.
Seria egoísmo da minha parte dizer que me sinto sozinha, não me sinto. Tenho uma tia incrível, amigos de verdade, um apartamento sem nenhum luxo, mas que ainda assim é o melhor lugar do mundo para mim, um carro velho e uma colega de apartamento rabugenta, arisca e mulherenga. O que poderia ser melhor do que isso?
Confesso que sinto um vazio, que nunca vai poder ser preenchido por ninguém, mas aos poucos eu vou aprendendo a lidar com a dor. Aos poucos vou aprendendo a não lembrar mais dos meus pais com tristeza, mas com alegria. E, principalmente, não com culpa.
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Hands All Over | Catradora
FanfictionEm que Adora é uma garota que após a morte dos pais e um ensino complicado, recentemente se muda para a cidade de Lua Clara para iniciar seu curso de educação física na faculdade e buscar independência fora da casa de sua tia Mara. Tudo seria perfei...