✦Trinta e Oito✦

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FELINA

No mesmo tempo do capítulo anterior.

Adora está em coma fazem dois meses e meio.

Acho que nesse tempo todos os amigos e pessoas que ela amam já foram visitá-la inúmeras vezes.

Todas as pessoas, menos eu.

Tudo que fiz nesse tempo foi voltar para o nosso apartamento, já que meu pai já saiu do hospital e preciso ficar de olho nele.

Desde então, tenho dormido na cama de Adora.

Eu sinto falta dela. Sinto falta de passar as mãos em seus cabelos loiros, de abraçá-la e beijá-la. Sinto falta de como ela me obrigava a comer, das piadas sem graça que ela fazia e das covinhas que apareciam quando ela ria.

Sinto falta dos momentos, do calor que eu sentia quando a via e do jeito que ela me tinha. E ainda tem.

Ainda pertenço a ela, e por isso não fui vê-la no hospital. Não porquê não quero, mas porquê não consigo.

Se você me perguntar o que foi que aconteceu eu não vou saber te responder, mas eu sei que alguma coisa morreu aqui dentro.

Ela me tem de um jeito que ninguém nunca teve, e eu tenho medo do que pode acontecer comigo se ela não acordar. Não consigo encarar o rosto vazio numa pessoa que estava sempre rindo e alegrando todo mundo. Adora sempre ajudava todos ao seu redor, não importava o quão fodida estava ou o quão mal se sentia, ela sempre fazia as pessoas se sentirem melhor.

Não tinha um pingo de egoísmo sequer dentro daquele corpo e, ao mesmo tempo que odeio isso, também admiro.

Ela é o meu acorde mais afinado, a música mais bonita que eu já escrevi. Não há estrelas no universo que brilhem mais do que ela pra mim.

Sou covarde, e sei disso, mas não tenho forças. Não mais.

Não aguentaria vê-la vegetando, não aguentaria sentir mais dor ao encarar os fatos face a face. Encarar o fato de ela pode nunca mais acordar, e eu não sei o que vai ser de mim se ela se for.

Ainda lembro de tudo, embora o objetivo sempre fosse esquecer.

As coisas não são mais as mesmas. Os jogos de basquete perderam a emoção, as músicas perderam a melodia.

E, este apartamento, parece vazio.

O mais próximo que consigo chegar de Adora é quando escuto Stand by Me na vitrola, pensando nos momentos que não voltam mais.

— Ei, tudo bem? - ouço a porta abrir e vejo o rosto de meu pai aparecer. Seco algumas lágrimas singelas que molham o meu rosto e faço menção para que ele entre. Meu pai e meu tio têm sido meu alento, meu alicerce principal. Meu confidentes e companheiros, minha família. — Como você está? - ele pergunta, tateando a cama e se sentando num espaço vazio ao meu lado. Meu pai estica as mãos para que eu as segure, e assim o faço. Segurar as mãos dele me acalma.

— Estou a mesma coisa de sempre.

— Filha, você sabe que não precisa se esconder de mim. - ele sorri. Meu pai é um homem forte. Mesmo tendo passado anos longe das pessoas que o amam, mesmo tendo sido torturado, mesmo que tenha ficado cego, ele nunca desistiu. Espero ser forte como ele, um dia. — Quando você irá vê-la?

— Pai, eu... Eu não consigo. Não consigo nem pensar na ideia de vê-la partir. - lágrimas voltam a sair dos meus olhos.

— Você não pode se esconder disso pra sempre. - suas palavras são duras e sinceras mas, ainda assim, gentis. Ele suspira. — Sabe, filha, meu período na zona do medo foi difícil. Tiraram tudo de mim, minha família, minha liberdade e a minha visão. Por várias vezes eu pensei em desistir de mim, várias vezes pensei em partir desta vida. Sem funeral, sem choro, só eu e um mundo escuro. - ele acaricia as costas dos meus dedos com os polegares. — Sabe porquê eu não fiz isso?

Hands All Over | CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora