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ADORA

Imagino se doeria muito eu enfiar um lápis dentro do meu próprio olho.

Afasto o caderno do meu rosto e comparo minha letra com a letra do professor na lousa, igual quando tiramos e colocamos o óculos várias vezes para ver se muda alguma coisa. Será que alguém além de mim ia conseguir ler o que está escrito aqui?

Acho que estou ficando doida.

Ouço o alarme dos corredores tocar e fecho meus livros apressadamente, me levanto e aceno para o professor Micah, que acena de volta para mim.

Não sei o que é pior. Eu ser a queridinha dos professores.

Ou eu saber disso.

Corro em direção ao meu armário, cumprimentando alguns conhecidos que vejo pelo corredor e sentindo meu celular vibrar insistentemente no bolso da minha calça. O dia de hoje em particular me deixou exausta, os professores estão mais exigentes e minha dor de cabeça vem aumentando. Mas, parte disso se deve ao fato de eu sempre querer ter notas excepcionais.

Grande dia para mim.

Abro a porta do meu armário, guardando todo o meu material e pegando meu celular.

(3 mensagens de Brilhosah)

Brilhosah
adoraaa

Brilhosah
cadê vc?

Brilhosah
adoraaaaaaaaaa

Eu
Oioioioi

Eu
Tô no corredor, em frente ao armário


Fecho o armário, olhando o corredor procurando um cabelo roxo e rosa em meio a multidão. Ao avista-la, levantei meus braços os balançando no ar para que ela conseguisse me ver, já que é baixinha e provavelmente não iria conseguir me achar sozinha. Quando finalmente conseguiu me ver, apressou o passo em minha direção e caminhamos até o lado de fora da faculdade.

Glimmer estava muito animada, dava pulinhos enquanto falava sobre seu dia, sobre o quanto os professores eram legais e falando sobre os novos amigos que tinha feito – e de como eu iria gostar deles –. Seus olhos brilhavam em euforia. Um pouco emocionada, eu diria. Eu apenas ria baixinho com a animação da garota, ela era tão fofa e pequena que nem parecia que estava na faculdade. Era seu primeiro dia de aula, ela não fazia ideia do quão difícil seria a vida universitária, mas ela estava tão radiante, e eu não ia tirar isso dela.

— E você, Adora? – pergunta enquanto passamos para o lado de fora do portão.

— Cansada, as aulas foram difíceis e o treino também. – sorri em resposta. Eu não a conhecia há muito tempo, mas éramos tão próximas que era como se nossa amizade fosse de décadas. — Você vai querer que eu te leve para casa?

— Ah não, eu vou para a biblioteca dos pais do Arqueiro ajudar a arrumar as coisas.

Arqueiro, Glimmer e eu somos um trio inseparável desde o terceiro ano do ensino médio, eles já se conheciam e eu cheguei depois, mas é como se eu sempre tivesse feito parte do grupo. Nos conhecemos durante o treino de arco e flecha do colégio, quando o garoto quase me assassinou com uma flechada, - mas de certo modo a culpa foi minha por estar passando na frente do alvo sem perceber -. Ele era muito bom nisso, se eu não tivesse me abaixado teria acertado minha testa em cheio. Desde esse dia, Bowind passou a ser chamado de Arqueiro, e nós três passamos a ser os melhores amigos para sempre. A eles eu devo tudo, e por eles eu faço tudo. Sim, eu sou muito, talvez extremamente brega e boiola.

— Tinha me esquecido disso, desculpe não poder ajudar. – disse um pouco decepcionada. Espero que Arqueiro, George e Lance não fiquem bravos comigo.

— Tudo bem, eles vão entender, acho que você já tem dor de cabeça o suficiente.– Glimmer pegou na minha mão e deu um sorriso tristonho. —Sinto muito por... Você sabe. Bom, até amanhã!

Entrei em meu carro - um Alpha Romeo 164 dos anos 90, que claramente precisa de baterias novas - e dei a partida, dirigindo por 15 minutos até meu apartamento e torcendo para a gasolina não acabar no meio do caminho. Esse carro é uma desgraça, mas eu o amo, ganhei de presente da minha tia Mara no meu aniversário de 17 anos, ela é a única família que eu tenho. Meus dois pedacinhos de estresse.

Chegando na rua onde moro, procuro algum lugar com sombra para estacionar no meio fio. O asfalto estava fritando, e se não tivesse uma sombra meu carro ia ser o próximo a tostar. O deixei em baixo de uma árvore e subi as escadas até o terceiro andar, onde fica meu apartamento.

Destranquei a porta e adentrei no meu nada luxuoso – mas confortável – lar.

Silêncio.

Acho que minha colega de apartamento não chegou ainda.

Pendurei minhas chaves no porta-chaves na parede ao lado da porta e sentei no sofá por cinco minutos, aproveitando aquele maravilhoso som de nada. Respirei fundo olhando as paredes meio amareladas por conta das infiltrações recorrentes nas épocas de chuva. Estou cansada, suada e com muita fome.

Com a força do meu estômago vazio me levanto e atravesso o balcão que separa a sala e a cozinha, procurando alguma coisa comestível nos armários e na geladeira. Achei três pães e três fatias de mortadela, alguém deveria ter ido comprar pão hoje de manhã. Tudo eu nessa casa.

Devorei rapidamente os três pães com mortadela que restavam e fui correndo para meu quarto pegar uma toalha para tomar um banho, porque eu estava podre e grudenta.

Mas, ao entrar em meu quarto, dei um pulinho para trás de susto.

Tinha uma intrusa sentada na minha janela.

— Oi Adora, tranquilo aí?

— Felina.

Hands All Over | CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora