Meu chefe se aproxima com o cenho franzido e mãos cruzadas sobre o peito. Percebendo todo o meu nervosismo, ele pergunta:
- Vocês se conhecem?
A pergunta saiu num tom rude, mas seu olhar é mais avaliativo. Eu devo estar branca como um fantasma e minha voz parece que está presa na garganta. Flávio que responde:
- Sim, nós estudamos juntos no ensino médio. Como vai Júlia?
Ele nem espera minha resposta e se vira para Arthur:
- Vocês estão casados?
Arthur arqueia a sobrancelha de forma irônica, mas continua sério ao responder:
- Não, claro que não. D. Júlia é apenas minha...funcionária.
Flávio me observa de cima a baixo e solta seu comentário:
- Parece que as coisas não mudaram muito pra você nesses anos não é Júlia?
Ao terminar sua fala, ainda solta uma gargalhada depreciativa que desta vez, não é acompanhada pelo meu patrão.
Como não há nenhum tipo de resposta para um comentário desses. E mesmo se tivesse, meu estado de espírito não me permitiria elaborar, simplesmente peço licença e volto para a cozinha.
Estou desesperada. Daqui a pouco Miguel chega e vai acabar encontrando com o pai. Flávio vai ligar as peças na hora.
Puxo meus cabelos, lágrimas teimosas lutam para saltar dos meus olhos. Preciso pensar rápido...preciso respirar...
Sr. Arthur vai até a cozinha e me pega andando de um lado pro outro exasperada. Ele sabe que tem alguma coisa errada.
Rezo pra ele não me destratar, porque nesse momento estou muito vulnerável, não terei nenhuma estrutura pra lidar com alguma estupidez sua.
Sirvo um copo de água e tomo em grandes goles, aliviando um pouco a ardência na minha garganta.
Ao invés de me agredir como imaginei, ele se aproxima e passa as mãos em meus braços numa espécie de carinho para me acalmar, parece preocupado e me pergunta num tom baixo:
- O que houve Júlia, o que você tem?
Cruzo os braços para tentar controlar a tremedeira e não tenho coragem de falar a verdade.
- Não é nada Sr. Arthur, apenas um mal-estar passageiro. Posso pegar as crianças lá embaixo e almoçarmos fora? Assim não corre o risco de atrapalharem sua reunião de negócios.
Seu olhar é insistente, profundo e curioso. Sei que provavelmente serei questionada mais tarde, mas de forma resignada, ele parece compreender que naquele momento não vai tirar nada de mim. Então respira fundo e concorda me soltando:
- Pode ir D. Júlia.
Respiro aliviada e no mesmo instante, saio do apartamento. Preciso de um tempo para refletir e tem que ser bem longe dali.
Encontro as crianças que adoraram quebrar a rotina. Após o almoço, levo eles em uma praça próxima. Enquanto estou sentada escorada na sombra de uma linda árvore, os observo rindo e brincando.
Miguel exibe seu sorriso lindo e perfeito, tão gentil e protetor com Lisa. Estão sendo apenas crianças...
Não posso trazer pra sua vida essa avalanche de problemas. Como contar pra ele que o pai que o rejeitou, ameaçou e humilhou sua mãe, está mais próximo da sua vida do que imagina? E se ele for cruel com Miguel?
Claro que meu filho já havia perguntado sobre o pai antes e eu nunca havia omitido a verdade dele. Como todo menino, ele idealizava uma figura masculina em sua vida.
Eu notava como ele estava se aproximando cada vez mais do Sr. Arthur, puxando conversa e pedindo conselhos, falando sobre esportes e outros assuntos.
Percebia que meu filho estava se afeiçoando cada vez mais. Apesar disso me incomodar um pouco, resolvi não interferir porque meu chefe era sempre receptivo e muitas vezes até carinhoso no decorrer desse tempo em que morávamos com ele.
Preciso ir embora daquela casa. Não posso correr o risco de abalar toda a vida de Miguel com esse encontro. Preciso proteger meu filho.
Mentalmente faço as contas do que já juntei e avalio se dá pra alugar alguma coisa pra nós dois. Não é o suficiente para muito tempo, mas arrumarei outro emprego logo. Essa é a única solução que encontro.
Voltamos apenas no final da tarde, torcendo para que "a visita" já tivesse ido embora. Sr. Arthur estava trancado em seu escritório. Providencio a arrumação da louça e reparo que existem duas garrafas de vinho vazias.
Miguel e Lisa estão sentados na mesa da cozinha fazendo suas lições, quando ele surge se escorando na porta.
Sua camisa está amassada, os cabelos revoltos e os olhos meio opacos. Encara Miguel por um longo tempo, que apenas o cumprimenta com um sorriso e volta a atenção aos estudos.
Ao cruzarem os olhares, percebo a expressão de choque no rosto do meu patrão. Nesse momento, tenho certeza que ele entendeu a situação toda. Me olha com raiva e ordena:
- Assim que terminar aí venha ao meu escritório D. Júlia, precisamos conversar.
Balanço a cabeça concordando. Minha decisão está tomada, vou pedir minha demissão e ir embora dali.
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Meu Chefe Indomável (CONCLUÍDA)
RomanceJúlia teve todos os seus sonhos interrompidos por conta de uma gravidez na adolescência.Sem ter onde morar com seu filho, ela vai trabalhar na casa de Arthur. Um homem pedante que deixa claro que despreza a sua origem humilde e não suporta crianças...