Roda-Viva

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Julho de 1968

As coisas começaram a sair do controle de Caetano e Gil. De repente, tudo que não era tropicalismo estava sendo taxado como ultrapassado e velho. E é claro que a imprensa não perdeu tempo em inflar as disputas entre tropicalistas e o restante da MPB. Dividindo a opinião pública de uma maneira que não era real.

Caetano se sentiu culpado ao ver como isso tudo foi para cima principalmente de Chico, sem qualquer motivo. Muitos tropicalistas e simpatizantes teceram duras críticas à ele. Entre eles, Tom Zé, que perguntado em um programa sobre o confronto tropicalistas versus Chico, respondeu que, de sua parte, respeitava muito Chico Buarque "pois ele é nosso avô".

Caetano sabia que deveria ter escutado o conselho de Gil e deixado pra lá. Mas Tom Zé era seu amigo e não pôde evitar de falar com ele sobre isso quando se encontraram.

"Sabe, você não precisava ter dito aquilo..."

"O quê?" - Tom Zé franziu a testa.

"Sobre Chico. Não precisamos antagonizar ele pra reafirmar o tropicalismo." - Caetano tentou argumentar, mas tudo que conseguiu foi uma risada dele.

"Ah sim, eu pensei que você fosse defender o namoradinho."

"Eu não sei do que você está falando." - Caetano foi pego de surpresa, aquilo começou a irritá-lo.

"Francamente, Caetano, é meio óbvio. Tudo que nós fizemos nos últimos meses é criticar essa caretice que está aí, mas quando o assunto é Chico você muda o tom. O que você quer exigir de mim sem parecer hipócrita?"

"Você não sabe o que tá dizendo, Chico é diferente..."

"É, a diferença é que você tá transando com ele."

O sangue de Caetano ferveu, ele cerrou os dentes, tentando se impedir de fazer um escândalo ali mesmo.

"Ah vamos, Caetano, não é como se todo mundo aqui já não suspeitasse de vocês dois."

"Vai pro inferno, Tom! Eu não tenho que ficar te dando explicações sobre a minha vida!" - Nesse momento, Gil escuta Caetano elevar a voz e vai até ele. - "Chico não passa de um amigo, coisa que eu acho que me enganei com você."

"Vamos embora, Caetano, não vale a pena..." - Gil segura o ombro dele.

"Olha, Caetano, me desculpa, eu não queria..." - Tom Zé tenta voltar atrás, vendo que tinha falado demais.

"Ah você queria sim." - Caetano olha para ele com um misto de raiva e mágoa. - "Não precisa me segurar, Gil. Eu não vou mais perder tempo com isso."

Então se virou para ir embora, pensando em tudo que tinha acabado de ouvir. A ideia do Tropicalismo tinha sido dele sim, mas ele nunca teve intenção de ser contra Chico, ele o amava. Prejudicá-lo era a última coisa que queria. Mas havia um pouco de verdade no que Tom Zé estava dizendo, de certa forma, foi o que ele fez. O coração dele se apertou com o pensamento.

*

Caetano ainda estava atordoado, só queria chegar em casa e colocar tudo que estava sentindo para fora. Mas a primeira coisa que ele vê quando abre a porta de seu apartamento é Chico sentado no sofá.

"Ei, você demorou." - Chico se levanta, seu rosto se iluminando ao ver Caetano. - "Eu fiquei te esperando..."

Caetano se aproxima depressa, abraçando ele mais apertado que o normal. Quando sente os braços de Chico o envolvendo, Caetano se acalma um pouco. Chico sempre seria uma espécie de porto seguro para ele.

"Que bom que você tá aqui." - Caetano diz com a voz um pouco abafada, porque mantinha o rosto na curva do pescoço de Chico.

"Eu não disse que vinha? Você esqueceu?" - Chico sorria, até segurar o rosto de Caetano para olhá-lo direito, então seu sorriso se desmanchou lentamente. Os olhos de Caetano pareciam tão tristes, Chico franziu a testa. - "Aconteceu alguma coisa?"

"Não." - Caetano mentiu, fugindo do olhar intenso de Chico, e puxando-o para deitar no sofá com ele. - "Eu só quero ficar assim com você, pode ser?"

"O que você quiser, meu bem." - Chico deita na beirada do sofá, e Caetano abraça ele de novo.

"Você parece tão tenso, tem certeza que tá tudo bem?" - Chico pergunta, encostando a testa contra a de Caetano.

"Agora tá." - Caetano olha profundamente nos olhos de Chico, ele adorava ver aquele azul tão de perto.

"Eu gosto tanto de você, Chico." - Caetano segurou o rosto dele, acariciando com o polegar. - "Sabe disso, não é?"

Chico assentiu e olhou para ele com ternura, um sorriso pequeno nos lábios.

"Eu também gosto muito de você, Caê. Muito mais do que você imagina."

Caetano abraçou Chico mais perto, agora escondendo o rosto no ombro dele.

"Não quer me dizer mais nada?" - Ele perguntou, e Caetano apenas balançou a cabeça negativamente. Chico não era idiota, sabia que tinha acontecido algo, mas se Caetano não queria falar, ele não iria pressiona-lo mais ainda.

"Às vezes eu tenho tanto medo de te perder, Chico."

"Você tá me assustando, Caê. Por que você me perderia?"

"Eu não sei..." - Caetano estava quase em lágrimas. - "Às vezes as coisas apenas saem do nosso controle."

Chico estava achando tudo aquilo tão estranho.

"Eu não vou te deixar nunca." - Chico deu um beijo nos cabelos de Caetano. - "Tenta descansar, meu bem."

A mente de Caetano estava um turbilhão com tudo que havia acontecido. Chico tinha lido as últimas críticas do pessoal do tropicalismo? O que ele estava pensando? Ele achava que Caetano queria prejudicá-lo?

Pensar na mínima possibilidade de perder Chico fez seus olhos encherem de lágrimas, mas Caetano apertou as pálpebras na tentativa de esconder e não molhar o ombro dele.

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