Quando Caetano chega na casa de Chico, a porta estava aberta e ele vai entrando. Caetano lentamente atravessa o corredor, até se deparar com Chico na sala. Ele estava sentado no chão, encostado contra o sofá. Chico não estava chorando, mas seus olhos inchados e um pouco vermelhos diziam que ele tinha feito isso antes. Mesmo com tanta dor naqueles olhos, ver Caetano trouxe à eles algum conforto.
O coração de Caetano se apertou em ver Chico assim. Caetano aproximou e agachou ao lado dele. Naquele momento, Caetano teria feito tudo para diminuir o sofrimento de Chico. Ele tinha se separado de Dedé há alguns meses e podia imaginar o que Chico estava sentindo. Mas considerando o jeito que tudo tinha acontecido, Chico com certeza se sentia muito pior.
"Eu não sabia mais pra quem ligar." - Chico finalmente disse.
"Tá tudo bem. Eu tô aqui." - Caetano estendeu a mão para acariciar o rosto dele.
Chico sentiu o carinho do toque de Caetano e teve certeza do porquê, de todos as pessoas, tinha resolvido ligar justo para ele. Caetano era o único que poderia lhe entender agora, que lhe ouviria sem julgamentos.
"Foi horrível, Caê." - Chico levou a mão ao rosto, desolado. - "Ela foi embora, e levou Silvinha."
"Eu sinto muito, Chico."
"Eu não queria que tivesse terminado assim." - Chico chorou.
"Eu sei..." - Caetano puxou ele para perto, vendo que Chico cairia em lágrimas. Em um abraço apertado, deixou ele chorar em seu ombro, enquanto acariciava seus cabelos.
"Fica comigo."
Por cima do ombro de Chico, Caetano olhou em volta, todas aquelas fotos de Marieta e Chico juntos espalhadas pela casa, algumas com Silvia nos braços e um sorriso alegre no rosto. Caetano estava visivelmente desconfortável naquele lugar.
"Você não quer vir pra minha casa?" - Caetano não se sentiria bem ali e não achou que fosse bom para Chico ficar sozinho naquela casa cheia de lembranças. - "Fica um tempo por lá, pelo menos até as coisas melhorarem."
"Mas..."
"Por favor, Chico. Eu não vou deixar você aqui."
Chico olhou por um tempo como se refletisse suas palavras.
"Tá bem."
*
Caetano abriu a porta de seu apartamento e passou uma mão sobre o ombro de Chico.
"Entra." - Caetano deixou de lado a mala pequena com as coisas de Chico e se voltou para ele de novo. - "Fica à vontade."
Mas Chico estava visivelmente desconfortável ali. A viagem até lá tinha sido silenciosa, trocando apenas algumas poucas palavras.
"Tem certeza que isso é uma boa ideia, Caetano? Eu não quero te causar nenhum problema..."
"Do que você tá falando?"
"Você sabe..." - Chico franziu o cenho. - "O seu casamento com Dedé."
Caetano só se lembrou daquilo agora. Ele definitivamente era um péssimo mentiroso. Já fazia meses que ele e Dedé não estavam mais morando juntos, e desde então foram poucas as vezes que se viram.
"An... então... Dedé tá passando um tempo na Bahia. Não se preocupa, ela não se importa, e acho que vai demorar pra voltar." - Não era totalmente uma mentira, a não ser pelo fato de que ela não voltaria, pelo menos não para Caetano. - "Hmm, vem, eu vou te mostrar seu quarto."
Chico estranhou um pouco a falta de Dedé, mas seguiu Caetano até o quarto de hóspedes.
"Se você precisar de alguma coisa..."
"Tudo bem, Caê." - Chico deixou a mala sobre a cama. - "Eu não quero te incomodar mais ainda."
Caetano se sentiu mal, eles pareciam estranhos agora.
"Você não tá me incomodando. As coisas podem ter mudado entre a gente, mas eu me importo com você."
Caetano olhou triste, o silêncio pairou entre eles.
"Sabe, nós podemos ser amigos ainda." - Caetano completou e se arrependeu imediatamente. Aquela palavra trouxe desconforto aos dois.
"Eeh... amigos." - Chico assentiu.
Caetano olhou em volta, tentando quebrar o gelo daquela conversa.
"Você deve tá cansado. Eu vou deixar você dormir." - Caetano se virou para sair, mas parou na porta e olhou de novo para Chico. Havia algo de que precisa ter certeza antes. - "Você tá bem?"
A resposta de Chico demorou um pouco.
"Eu vou ficar."
Caetano apenas assentiu, ainda triste de ver Chico assim, mas seguiu para seu quarto.
*
No dia seguinte, Caetano preparava o café da manhã quando Chico se levantou.
"Que bom que você tá de pé, eu fiz café..." - Caetano parou ao ver que Chico não parecia melhor do que ontem.
"Obrigado, mas eu tô sem fome, Caetano." - Chico disse, se sentando a mesa, parecia reflexivo.
Caetano se aproximou, sentando na cadeira ao lado.
"No que você tá pensando?" - Caetano olhou preocupado para ele.
"Em Silvinha."
"Vai dar tudo certo. Eu tenho certeza que Marieta não vai querer nunca que você deixe de vê-la..."
"Se você tivesse visto o olhar no rosto dela." - Chico interrompeu, tinha o olhar perdido em seus pensamentos. - "É tudo culpa minha."
Caetano olhou para Chico se lamentando, se sentiu tão culpado.
"Não, não é, Chico. A culpa é minha. Eu só atrapalho a sua vida. Mesmo agora..." - Caetano estava quase em lágrimas. - "Desculpa. Sua vida seria bem mais fácil se nunca tivesse me conhecido."
"Não, você não tem culpa de nada, Caetano. Eu sabia muito bem o que tava fazendo e mesmo assim eu nã-"
Caetano olhou para ele.
"Você o quê?"
Chico hesitou.
"A verdade é que eu não me arrependo." - Chico olhou nos olhos dele. - "Eu nunca poderia me arrepender de você, Caê. Eu me apaixonei e não tive controle sobre isso. Eu só... Queria que tivesse terminado diferente. Eu fui errado, não devia... Eu deveria saber que isso aconteceria em algum momento. Deveria ter acabado com isso tudo antes, pro bem de todo mundo. E agora olha o que aconteceu."
Caetano estendeu a mão para tocar o ombro de Chico.
"Você não pode se culpar por tudo, Chico."
"Não importa. Agora eu tenho que enfrentar o que está por vir."
Caetano franziu o cenho.
"Acha que Marieta contaria pra alguém?"
"Não... não, ela não é assim." - Chico disse com veemência. - "Mas as pessoas conversam, vão questionar o porquê da separação repentina."
Houve alguns segundos de silêncio entre eles.
"Você quis mesmo dizer aquilo, Chico? Mesmo agora, você não se arrepende do que aconteceu entre nós?"
Chico olhou para ele por um tempo, mas assentiu. Então se levantou rapidamente.
"Eu tenho que sair, preciso resolver algo..." - Chico disse, caminhando até a porta. Parecia mais uma tentativa de fugir daquela conversa.
"Chico, espera..."
Caetano esperou até que Chico olhasse para ele de novo.
"Sabe que pode sempre contar comigo, não é?"
Chico apenas assentiu e deu um sorriso fraco.
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Amor mais que discreto
Fanfiction"Mas pode dispensar a fantasia O sonho em branco e preto Amor mais que discreto Que é já uma alegria" Caetano conhece Chico no Festival de MPB de 1967, logo essa amizade se desenvolve em algo mais. Entretanto, que futuro poderia ter o relacionamento...