Desalento

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Chico passava a maior parte do tempo fora e quase sempre chegava tarde da noite, de modo que ele e Caetano só trocavam algumas poucas palavras durante o dia. Talvez fosse uma tentativa de Chico evitar Caetano, não era fácil a ideia de vê-lo como um amigo de novo.

Chico começou a chegar cada vez mais tarde. Ele destrancou a porta com dificuldade e tentou atravessar a sala escura sem fazer barulho, mas seu equilíbrio estava comprometido pelo álcool ainda em sua mente. No escuro, Chico bateu o joelho em um dos móveis, que no silêncio da noite fez mais barulho que o esperado.

"Merda!"

A luz se acendeu e Caetano olhou para ele.

"Ai que susto, Caetano!"

"Onde você tava?" - Caetano não perdeu tempo em perguntar. - "Eu tava preocupado."

"Hmm... num bar, com uns amigos." - Chico cambaleou um pouco, dava para sentir o cheiro de álcool de longe. Chico enfiou a mão no bolso da camisa para procurar um cigarro.

"Não acha que tá fumando demais?"

"Vai ficar me controlando agora? Sério? Logo você?"

Caetano não gostou do tom de cinismo nas palavras de Chico.

"Eu não... Eu só queria..."

"Por que esse interrogatório todo agora? Até parece que a gente é casado. Vai ficar se metendo na minha vida agora, é?!" - Sem perceber, o tom de Chico ficou cada vez mais rude. - "Talvez você tenha se esquecido, mas a gente não tem mais nada, Caetano! Aliás, foi você mesmo quem quis assim!"

Um silêncio desconfortável se instalou entre eles. Caetano parecia sem jeito, foi estranho ver Chico falar daquele jeito com ele. Não demorou e Chico sentiu vergonha por explodir assim, ainda mais com Caetano, que só estava preocupado, enquanto ele agia como um idiota.

"Desculpa, eu não..."

"Não, você tem razão. A gente não tem mais nada. Quem sou pra ficar me metendo na sua vida, não é?" - Caetano assentiu orgulhosamente e fez menção de se retirar mas Chico segurou o braço dele.

"Não, eu não devia ter falado desse jeito. Você só queria me ajudar e eu aqui agindo como um idiota..." - Chico quis colocar a culpa no álcool, mas não seria verdade, não era só isso. - "É só que... Tá tudo tão difícil ultimamente. Você sabe, o divórcio com Marieta. A censura que não me deixa lançar uma música sequer..."

"Chico..." - O coração de Caetano doeu em ver Chico assim.

"De repente, parece que tudo tá dando errado..." - Chico estava quase em lágrimas. - "E talvez eu mereça isso, né?"

"Não, Chico, não..." - Caetano puxou ele para um abraço. - "Isso não é verdade. As coisas vão melhorar."

Eles ficaram abraçados por um tempo. Chico se agarrava com força a Caetano, que acariciava suas costas. Até Chico se afastar e olhar para Caetano.

"A verdade é que isso não é o pior de tudo."

Caetano sabia exatamente do que Chico estava falando, mas fingiu não compreender.

"Eu sei que tá difícil agora, Chico..." - Caetano segurou o ombro dele. - "Mas quando você bebe isso não acaba."

"E quando acaba, Caetano? Porque, sinceramente, eu já tô exausto!"

Caetano olhou para o rosto cansado de Chico. Tentou lembrar do Chico com sorriso de garoto que ele se apaixonou há alguns anos atrás. Quando eles eram mais jovens, quando tudo era um pouco mais fácil. Antes de todas aquelas coisas horríveis acontecerem.

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