Tanto Mar

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Depois de mais alguns meses na Itália e de inúmeras cartas trocadas com Caetano, Chico voltou para o Brasil. Felizmente, ocorreu tudo bem na sua chegada, e foi uma grande festa com alguns amigos e muitos jornalistas no aeroporto.

Caetano soube de tudo por amigos em Londres, visto que a carta de Chico, contando tudo, demoraria quase um mês para chegar, e teve que se segurar para não pular de felicidade ao lê-la. Aquilo lhe trouxe muitas esperanças de voltar em breve, além de tornar os dias em Londres mais fáceis, mas não deixou de se preocupar com Chico.

Caetano soube também que Chico estava tendo muitos problemas com a censura, principalmente depois da proibição da música "Apesar de Você" e a ordem de recolhimento de todos os compactos da canção. Ás vezes tinha impressão que Chico fazia parecer nas cartas que as coisas não estavam tão ruins, pois não queria lhe deixar preocupado.

Gal foi visitar Caetano e Gil muitas vezes em Londres, principalmente por causa de sua turnê na Europa. Às vezes trazia algumas revistas do Brasil para que soubessem um pouco do que estava acontecendo por lá, pelo menos até onde era permitido ser publicado.

Caetano folheava uma das revistas, até se deparar com uma matéria sobre a volta de Chico. Ao lado, uma foto de Chico e Marieta no aeroporto, pareciam felizes. Aquela foto lhe tocou de um jeito que não esperava. Pensou que qualquer um que olhasse aquela foto diria que eles eram um casal perfeito.

"Não acha que ele parece melhor sem mim?"

Gal olhou para ver do que o amigo estava falando.

"Ah, Caetano, é só uma foto em uma revista. Não quer dizer nada. Você queria que Chico estivesse como? Chorando e dizendo que sente sua falta?"

"Eu não me refiro a isso. É que, mesmo que tudo dê certo, isso..." - Caetano sentia um nó na garganta, olhando para foto. - "Isso nunca vai poder ser eu e ele... nunca."

Houve alguns segundos de silêncio, Gal olhava para Caetano como se o estudasse, então esfregou suavemente as costas do amigo.

"É só uma foto, Caê. Não liga pra isso..." - Gal levantou para procurar algo em sua mala. - "Acho que você não pensaria assim se soubesse o que eu trouxe."

"O quê?" - Caetano olhou curioso, quando viu a amiga pegar uma carta.

"Ele só soube que eu vinha na última hora. Foi feito louco me pedir pra entregar." - Gal estendeu a mão com a carta para Caetano. - "Eu dei uma lida rápida e acho que você vai gostar."

Caetano olhou indignado.

"Eu não acredito que você leu!"

"Eu que não acredito que vocês escrevem essas indecências um para o outro!"

Nesse momento Caetano relaxou.

"Então você não leu. Chico nunca ia escrever essas coisas em uma carta."

Gal riu e admitiu.

"Tá bom. Eu só tava jogando verde."

Caetano olhou para a carta fechada. Leria mais tarde, a sós. Fazia sentido que Chico tivesse entregue para Gal, era mais seguro e não demoraria semanas para chegar como a maioria das cartas que tinha escrito.

Sozinho no quarto, Caetano abriu o envelope e olhou para carta que, por motivos óbvios, não tinha assinatura.

"Rio de Janeiro, 27 de março de 1970

Querido Caetano,

Cada dia que passa eu sinto mais a sua falta, do seu sorriso, de ouvir sua voz e mesmo as coisas que você diz só para me desconcertar, porque isso tudo significaria que você está do meu lado.

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