Mil Perdões

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Caetano bateu na porta do quarto de Chico, e mal esperou que ele terminasse de abrir para começar a esbravejar.

"Você perdeu a cabeça de vez?" - Caetano entrou, passando por Chico.

"Do que você tá falando?" - Chico franziu a testa, confuso com Caetano entrando daquele jeito, mas fechou a porta para que ninguém ouvisse aquela discussão.

"Nem pensar que você vai fazer uma burrice dessa!" - Caetano segurou a folha com a letra de Cálice na frente dele.

"Como você... Me dá isso!" - Chico pegou o papel das mãos dele. - "Isso não é da sua conta."

"Claro que é da minha conta!" - Caetano realmente parecia em desespero. - "E se descobrem? E se vão atrás de você?"

"E por que você liga pra isso?!"- Chico acabou falando mais alto do que realmente queria.

"Porque eu me importo com você, droga!" - Caetano gritou de volta. Houve alguns segundos de um silêncio sepulcral entre eles. Caetano continuou em um tom muito mais baixo, tremia um pouco agora. - "Eu sei que não parece agora, mas eu me preocupo tanto com você que às vezes acho que vou enlouquecer."

"Estranho seu jeito de demonstrar isso. Mentindo o tempo todo."

"Você tem razão. Eu menti, mas foi por medo."

"Medo?"

"Você não entende, Chico? Não entende mesmo?" - Caetano suspirou. - "Quando me prenderam tudo que eu pensava era que você podia estar lá... Se não tivesse acontecido tudo aquilo antes, se você não tivesse viajado, eles teriam nos encontrado juntos."

"Isso é passado, Caetano..."

"Não, não é... Você começou a ter todos aqueles problemas com a censura. Eu tive tanto medo que se nós vissem juntos, você sabe... pensassem que estávamos envolvidos com algo. Eu fiquei com medo." - As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Caetano. - "Medo que o mesmo acontecesse com você. Medo que te machucassem. Eu não ia conseguir me perdoar nunca."

Chico olhou Caetano, sentiu vontade de ir até ele e abraçá-lo, consola-lo, mas ainda havia algum orgulho e mágoa que o detinham.

"Não faz sentido. E Djavan?"

"Você não acredita mesmo nisso, não é, Chico?" - Caetano suspirou, seu olhar suplicava pela confiança de Chico. - "Nós nunca tivemos nada. Eu não sei o que deu nele ontem, mas eu não queria. Tudo que eu consegui pensar esses anos todos foi em você, e foi por isso que meu casamento com Dedé acabou."

Caetano deu alguns passos para se aproximar de Chico.

"E eu tentei, Chico. Tentei te esquecer, afastá-lo e dizer pra mim mesmo que seria melhor assim, só que não é. Porque a verdade é que eu te amo. Eu nunca vou deixar de te amar. - Caetano chorava copiosamente, a emoção atrapalhava suas palavras um pouco. - "E isso dói, porque eu sei que nós... simplesmente não é pra ser."

"Por quê?" - Chico olhou com pesar, as últimas palavras de Caetano também trouxeram algumas lágrimas aos seus olhos.

"Eu acho que você sabe a resposta pra essa pergunta, Chico." - Caetano enxugou o rosto um pouco, mas as lágrimas não pararam de brotar de seus olhos. - "Olha, escuta..."

Caetano se aproximou um pouco hesitante, mas Chico deixou que ele tocasse seu rosto. Caetano acariciou com uma das mãos.

"Tudo que eu fiz foi porque eu pensei que assim estaria te protegendo. Mas a verdade é que eu não posso viver sem você. Eu não consigo." - Caetano afastou com o polegar uma lágrima que escorria pelo rosto de Chico agora. - "Dói não ter você do meu lado. Dói saber que eu te fiz sofrer, que eu fui um idiota. Dói te amar e não poder ter você comigo. Eu não consigo mais suportar essa dor, Chico."

"O que você quer dizer com tudo isso, Caetano?"

"Esquece isso, Chico. É arriscado demais. Você não tem que desafiar a censura pra provar nada." - Caetano estava quase implorando. - "Volta pra mim. Sem mais mentiras, sem censura, sem mais nada. Só você e eu, como era antes."

Eles se entreolharam. Havia tanto amor naqueles olhares, tanto desejo que pudessem ter um futuro juntos. Porém, Chico se afastou de Caetano, enxugou as lágrimas dos olhos.

"Eu preciso de um tempo pra pensar, Caetano."

Caetano olhou triste, mas assentiu. Naquele momento, teve certeza que tinha perdido Chico e sua resposta final era não.

"Entendo."

Caetano estava prestes a se virar para ir embora, mas lembrou de algo.

"Só tem uma coisa." - Caetano tirou um envelope do bolso e deixou sobre a mesa. - "Eu guardei todo esse tempo, acho que faz sentido te devolver agora. Eu só queria que soubesse que aqueles dias com você em Londres foram os mais felizes da minha vida."

Chico apenas observou Caetano sair pela porta em silêncio. Não tardou e Chico abriu o envelope que ele tinha deixado sobre a mesa. Eram as fotos deles em Londres.

Chico sorriu com a lembrança. Caetano não teria guardado aquelas fotos todo esse tempo se não estivesse dizendo a verdade, se não o amasse de verdade. Mas os ciúmes por Djavan tinham deixado Chico cego demais para ver que Caetano estava sendo sincero.

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