Desencontro

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Agosto de 1968

Desde então a relação dos dois foi ficando cada vez mais fria. Parecia que algo havia se quebrado entre eles desde o comentário de Tom Zé, afinal ele era amigo de Caetano. Além disso, a imprensa e os críticos só fizeram piorar. Caetano queria dizer alguma coisa, queria defender Chico, mas que controle ele tinha sobre isso? A ideia dele nunca foi criticar Chico. E de qualquer jeito, eles não podiam levantar mais suspeitas sobre o relacionamento deles.

Eles não chegaram a discutir, Chico não era como Caetano, ele preferia só guardar tudo para si mesmo. Mas Caetano sabia que havia algo errado. Chico não era mais o mesmo com ele, estava cada vez mais distante e fechado. Sempre que tentava falar sobre isso, Chico dava um jeito de fugir do assunto.

Naquele dia, Chico estava sentado ensaiando uma música no violão. Ele teria uma apresentação importante à noite, no Teatro Paramount, era uma das eliminatórias para o festival daquele ano. Caetano apenas observava, enquanto Chico errava o mesmo acorde pela quinta vez. Com um suspiro exausto, ele deixou o violão de lado. Esfregava as têmporas, tentando reorganizar seus pensamentos.

Caetano se aproximou, inclinando-se para abraçá-lo por trás, enquanto dava um beijo suave em seu rosto.

"Algum problema, meu bem?"

"Não é nada, só um pouco ansioso pra hoje." - Chico acariciou o braço de Caetano em torno de seu pescoço, antes de se levantar para pegar outro cigarro. Caetano suspirou, decepcionado.

"Vamos, Chico, fala comigo. Já faz dias que você tá diferente..."

Chico olhou para ele por alguns segundos, como se procurasse algo em seus olhos, talvez o carinho que viu tantas vezes, alguma resposta, qualquer coisa que lhe tirasse daquela angústia. Parte dele sabia que Caetano não tinha culpa. Ele não faria nada com intenção de prejudicá-lo, não é? Como podia duvidar daqueles olhos aflitos que o fitavam?

"Me desculpa, Caetano. Eu ando um pouco cansado ultimamente. Não é sua culpa." - Chico se aproximou, pegando a mão dele, na tentativa de consola-lo.

Caetano apenas assentiu, acariciando a palma dele com o polegar. Mas ainda tinha uma expressão triste no rosto, era sempre a mesma desculpa que ouvia de Chico.

"Preciso passar em casa antes. Vejo você à noite?" - Chico perguntou.

"Claro que sim." - Ele ergueu o rosto para olhar para Chico, forçando um sorriso, apesar de estranhar a pergunta um pouco. Ter Caetano por perto sempre o ajudava com sua timidez no palco. Então ele fazia questão de acompanhar as apresentações de Chico sempre que possível. Por que hoje seria diferente?

Chico lhe devolveu um sorriso pequeno e se inclinou para dar um beijo na testa dele. Então se afastou, pegando o violão e indo em direção a porta. Caetano apenas observou tristemente, sabia que estava perdendo Chico aos poucos.

"Chico..." - A voz de Caetano era hesitante agora.

Chico já estava com a mão na maçaneta quando virou para olhá-lo. Caetano queria dizer que o amava, queria deixa-lo saber o quanto a relação deles significava para ele, mas quando tentou falar, nada saiu. Havia sempre algo que o travava, talvez receio que Chico não sentisse o mesmo.

"Vou sentir saudade." - Caetano não sabia porquê tinha dito aquilo, eles se veriam a noite, mas foi a única coisa que veio em sua cabeça na hora.

"Eu também." - Chico respondeu com um sorriso de lado, antes de sair.

Quando ouve a porta bater, Caetano ergue as mãos para esfregar o rosto. Se odiava por não conseguir dizer mais.

                                         *

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