No dia seguinte, Bethânia bate na porta do quarto de Caetano, que ainda se encontrava cama, enfiado em seus travesseiros como se não quisesse sair de lá nunca mais.
"Anda logo, Caetano, eu sei que você tá aí."
Caetano se levantou apenas para abrir a porta para Bethânia.
"Você tá bem?" - Bethânia perguntou, percebendo a feição triste de Caetano.
"Sim, só estou com um pouco de dor de cabeça."
"E essa dor de cabeça tem nome?" - Bethânia se aproximou, sentando do lado dele na cama.
"Nem queira saber o que aconteceu ontem." - Caetano se jogou na cama de novo.
"Não precisa. Todo mundo já sabe."
Caetano levantou a cabeça do travesseiro de uma só vez.
"Como assim?!"
"Pelo menos em parte." - Bethânia joga um jornal para Caetano.
CHICO BUARQUE E CAETANO VELOSO DISCUTEM DURANTE FESTA DA GRAVADORA. BRIGA DE EGOS?
Caetano revirou os olhos ao ler a manchete tendenciosa.
"Ah, ótimo" - Caetano se deitou de novo. - "É bom que todos pensem que a gente se odeia. Se bem que depois de ontem, Chico deve me odiar mesmo."
"Que drama. Chico? Ele nunca conseguiria te odiar, nem se quisesse." - Bethânia riu. - "Então, vai me dizer o que realmente aconteceu?"
"Ele me viu beijando Djavan."
"Você o que?!" - Bethânia levantou as sobrancelhas.
"Não era pra isso ter acontecido. Eu não sei onde eu tava com a cabeça."
"Mas vocês não estão juntos, qual o problema?"
"O problema é que ele descobriu que eu menti o tempo todo, disse que ainda estava com Dedé. Então eu apareço com outro cara, parece que eu...você sabe."
"Apenas se cansou dele." - Bethânia completou. - "Eh, se você queria afastar Chico, dessa vez você realmente conseguiu."
"Eu só queria proteger ele." - Caetano disse triste. - "Eu não queria que fosse assim."
Bethânia ficou em silêncio, não havia muito o que pudesse dizer para consolar o irmão.
"Você se importa de a gente não conversar sobre isso hoje? Eu quero dormir." - Caetano enfia a cara nos travesseiros novamente. - "E não acordar nunca mais."
"Não." - Bethânia já estava cansada daquilo tudo. Ela puxa o cobertor de Caetano. - "Você vai levantar e desfazer a merda que você fez."
"O quê?"- Caetano perguntou confuso. - "Como?"
"Que tal dizendo a verdade desde o começo? Que você mentiu por medo." - Bethânia se aproximou para conversar com o irmão seriamente. - "Nós dois sabemos que você ama Chico e isso não vai mudar nunca, Caetano. Não importa o quanto vocês fujam disso."
Caetano tinha um olhar baixo agora.
"E se ele não quiser me ouvir?"
"Ele vai..." - Bethânia estendeu a mão para acariciar os cachos do irmão. - "Sabe, quando você estava em Londres, ele ligava quase todos os dias pra saber notícias de você. Mesmo depois do que aconteceu, ele continuou ligando. Então sim, Caetano, ele vai ouvir."
*
Chico passava pelo saguão do hotel, quando dá de cara com a última pessoa que gostaria de ver naquele momento.
"Eu quero falar com você." - Djavan disse.
"Bom, mas eu não quero falar com você."
"É sobre Caetano."
"Não me interessa. Devia aproveitar enquanto ele não se cansa de você também, não deve demorar!"
"Deixa de ser idiota. A gente não tem nada!"
"Ah, claro que não. E do que você chama aquilo ontem na festa? A deixa eu adivinhar, vocês são só bons amigos."
"Fui eu que beijei ele, tá bom? Mas ele não quis nada. O tempo todo só falava de você. Provavelmente nunca vai tirar você da cabeça. Eu não devia ter feito aquilo."
"E você acha que eu vou acreditar nessa história?"
Djavan suspirou e deu de ombros.
"Tanto faz. Você acredita se quiser. O que eu tinha que fazer eu já fiz." - Djavan disse antes de se afastar.
Chico estranhou a atitude de Djavan um pouco, afinal ele não tinha porque mentir sobre aquilo.
Chico se dirigiu até o local do festival, onde alguns artistas já ensaiavam para o show mais tarde. Encontrou Gil sentado nos bastidores, trabalhava em suas composições.
"Por que não me disse que Caetano e Djavan estavam tendo algo?"
Gil olhou ainda mais surpreso para ele.
"Porque eles não tem?"
"Não foi o que eu vi ontem."
"O quê? Caetano e Djavan?" - Gil realmente estava de queixo caído. - "Eu tô tão surpreso quanto você."
"Ah sei, Caetano te conta tudo..."
"Eu tô falando sério... eu não sei de nada!"
Chico olhou para ele, mas não disse mais nada, Gil parecia estar sendo sincero.
"Agora será que dá pra falar da música que a gente vai apresentar no festival?" - Gil perguntou.
Naquele momento, Chico percebe Caetano vindo na direção deles.
"Desculpa, mas eu não tenho cabeça pra isso agora, Gil." - Chico se levanta.
"Chico, eu queria conv-" - Caetano diz, mas é praticamente ignorado por Chico que se afasta dali sem olhar para ele.
Quando Chico foi embora, Caetano olhou sem graça para Gil, que tinham presenciado tudo.
"Bem, acho que eu pedi por isso." - Caetano disse.
"Você parecem duas crianças." - Gil suspirou.
Caetano ignorou o comentário e se sentou ao lado de Gil. Percebeu duas folhas com a caligrafia de Chico em cima da mesa, conheceria em qualquer lugar do mundo. Aparentemente, era a letra de uma música nova.
"Foi Chico que compôs?" - Caetano sorriu, pegando a folha para ler.
"É uma música que a gente tinha preparado pro festival."
Caetano olhou para a folha com a caligrafia de Chico. Aquilo lhe trouxe muitas lembranças. Se lembrou de quando era a primeira pessoa pra quem Chico mostrava seus rascunhos, na maioria das vezes a única. Se lembrava dele sempre pedindo sua opinião, de dizer que estava ótimo, que ele exigia demais de si mesmo. Então Chico passaria horas debruçado sobre os mesmos versos até que Caetano o puxasse para um beijo, tomando toda sua atenção e fazendo ele largar tudo.
"Então, o que achou?" - Gil perguntou, tirando Caetano de seus pensamentos.
"Eu adorei. Agora me diz como isso passou na censura." - Caetano riu, amando cada verso da música que se chamava Cálice.
"Não passou."
O sorriso de Caetano se desfez lentamente.
"Hã? E vocês estão pensando em colocar isso no show? Vocês ficaram loucos? E se isso chega no ouvido dos militares?"
"Ah nem começa, Caetano. A ideia não foi minha. Aliás, eu já estou cansado do mal humor de vocês dois hoje."
Gil se levantou e saiu, mas Caetano estava decidido a procurar Chico e ele teria que ouvi-lo de qualquer jeito. Isso não podia ficar assim. Caetano não podia permitir que Chico se arriscasse desse jeito e jogasse fora todos seus esforços para protegê-lo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amor mais que discreto
Fanfic"Mas pode dispensar a fantasia O sonho em branco e preto Amor mais que discreto Que é já uma alegria" Caetano conhece Chico no Festival de MPB de 1967, logo essa amizade se desenvolve em algo mais. Entretanto, que futuro poderia ter o relacionamento...