Caetano agora saía quase todos os finais de semana com Chico e Toquinho. Andavam de bar em bar, conversavam sobre garotas, música, travessuras da adolescência e bebiam, principalmente bebiam.Chico quase sempre dormia na mesa do bar e tinha de ser acordado pelos dois para que os deixassem em casa, visto que era o único com carro do grupo. Na maioria das vezes, depois de deixarem Toquinho, Chico dava algumas voltas pela cidade com Caetano, explicando tudo sobre a cidade onde crescera e estudara. E às vezes eles gostavam de cantar imitando João Gilberto, um de seus passatempos favoritos, no fim das contas eles tinham mais em comum do que esperavam.
Caetano não podia evitar de se sentir atraído por Chico. O rapaz era definitivamente bonito e tinha sido tão gentil desde o começo. Todas as noites com aqueles lindos olhos azuis que se fixavam nele, enquanto falava animado sobre as travessuras da adolescência, a prisão por roubar um carro, o tempo na faculdade e principalmente futebol.
Caetano ainda se lembrava do dia em que Chico, alegre, comentava a última vitória do Fluminense.
- Desculpe, eu sei que você não curte muito futebol.
- Não, mas eu gosto de ver você todo animado falando sobre. - disse Caetano quase que automaticamente e se arrependendo no mesmo instante.
Chico apenas lhe devolveu um sorriso constrangido. Caetano não sabia por que tinha dito aquilo, embora não fosse nenhuma mentira, ele poderia ouvir Chico falar por horas sem ficar cansado.
Então teve aquela noite, Chico parou o carro em frente ao apartamento de Caetano, como era de costume.
"Bem, então é isso." - Caetano olhou para Chico e sorriu. - "Até a próxima."
"Espera, Caetano." - Chico disse quando ele já ia virando para abrir a porta do carro.
Caetano olhou para Chico, ele parecia tão próximo agora, uma mão apoiada contra o banco de Caetano, e o olhava com uma intensidade incomum.
"Eu..." - Chico parecia que queria lhe dizer algo, mas suas palavras se perderam no ar.
A atmosfera entre eles ficou densa. Caetano viu Chico umedecer os lábios e se aproximar cada vez mais. O coração de Caetano se acelerou, Chico ia beija-lo?
Caetano não se afastou, ele nunca diria a ninguém, mas houve noites em que tinha sonhado com aquele momento. Caetano apenas fechou os olhos esperando o beijo que nunca veio.
"Sua jaqueta" - Chico se inclinou para o banco de trás, pegando a jaqueta para entregar para ele. Caetano piscou confuso.
"Ah... obrigado." - Caetano disse sem jeito. Não conseguiu disfarçar a decepção. Até então, nem ele mesmo sabia que queria tanto aquilo.
Aconteceu. Ele estava gostando de Chico mais do que deveria.
"Tá tudo bem?" - Chico perguntou.
"Tá... tá sim." - Caetano desviou o olhar - "Bom, é melhor eu ir, já tá bem tarde."
"Caetano, eu disse algo de errado?" - Chico olhou preocupado.
"Não, não. Você foi perfeito, Chico." - Esse era o problema. - "Eu tenho mesmo que ir. Boa noite."
Ficou um desconforto entre eles, e Caetano saiu do carro.
"Boa noite, Caetano." - Chico olhou uma última vez pela janela.
Caetano assentiu e ficou ali parado olhando o carro sair. Seu coração doía. Não era para isso acontecer. Não era para ele se apaixonar por Chico.
O fato era que ele não conseguia mais lidar com os sentimentos que borbulhavam em seu peito sempre que se encontravam, ou os pensamentos que o mantinham acordado à noite, mas duvidava que Chico sentisse algo parecido. Não, Caetano preferia reprimir aqueles sentimentos do que pensar na possibilidade de perder a amizade de Chico.
*
Em uma das noites Chico bebeu demais, mal conseguia parar em pé. Caetano e Toquinho, vendo que o amigo não tinha a menor condição de dirigir, com muita dificuldade levaram ele até o apartamento de Caetano, que era o mais próximo dali.
Chegando lá deitaram Chico no sofá, e Toquinho se virou para Caetano:
- Ok, minha carona hoje já era... Acho que já vou indo então.
- Ah não, você não pode me deixar aqui sozinho com ele! Ele pode passar mal... - Caetano disse mais que depressa.
- Eu não posso ficar, tenho uma apresentação amanhã cedo. Ele vai ficar bem, vai por mim, eu já vi ele pior. - Completou, saindo pela porta antes que Caetano pudesse argumentar qualquer coisa.
Caetano olhou para Chico, praticamente desmaiado no seu sofá, não pôde deixar de dar um risinho. Dormindo assim ele parecia tão inocente, não parecia o mesmo dono de um humor sádico que a alguns minutos conversava com ele, pensou.
Caetano se abaixou para tirar os sapatos dele, para que o amigo pudesse se deitar direito. Mas Chico deu uma leve acordada, se remexendo no sofá e olhou para Caetano com um sorriso maroto.
- Pelo menos me pague uma bebida antes.
- Muito engraçado, mas eu acho que você já bebeu demais. - Caetano riu sem jeito, ele sabia que o amigo estava brincando, mas não podia deixar de se sentir constrangido. Chico não sabia de seus sentimentos por ele e não diria isso se não estivesse extremamente bêbado, não é?
"Eu não gosto do apelido que você deu pra Toquinho."
Com o tempo, Caetano tinha apelidado Toquinho de "meu noivo" porque o rapaz era atraente, mas era apenas uma brincadeira com o amigo. Brincadeira essa que Caetano notou várias vezes deixar Chico desconfortável. Quase como se estivesse enciumado de Caetano.
"Por quê?" - Caetano franziu a testa.
Chico pensou um pouco antes de responder.
"Porque eu não gosto."
Caetano apenas riu e se levantou para ir para o seu quarto, mas Chico segurou sua mão suavemente, ele parecia sério agora.
- Fica comigo, Caê.
Caetano não podia acreditar que Chico queria dizer aquilo, ele com certeza tinha bebido demais e agora estava falando coisas sem sentido. Poderia Chico ter sentimentos por ele ou era apenas o álcool em sua mente?
- Durma, amanhã com certeza você vai se sentir péssimo. - Caetano retrucou e seguiu para seu quarto. Ele não queria que Chico acordasse no dia seguinte e pensasse que algo aconteceu entre eles enquanto estava bêbado.
- Sem beijo de boa noite? - Chico murmurou enquanto ele deixava a sala.
Caetano quase não conseguiu dormir aquela noite, pensando no que tinha acontecido. "Fica comigo, Caê" como ele gostaria que Chico quisesse realmente dizer aquilo ou mesmo se lembrasse de qualquer coisa amanhã.
*
Na manhã seguinte Caetano se levantou e foi até a sala. Como ele já esperava, Chico tinha ido embora ao amanhecer. Sentou-se no sofá e pegou uma almofada ao lado, sentia o cheiro de Chico. Olhou para a porta e suspirou, queria que Chico estivesse consciente de suas palavras ontem à noite ou pelo menos tivesse se despedido antes de sair.
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*Obs.: pra quem chegou agora pelos vídeos dos dois (que são a maioria do programa de 1986), a fic passa numa época totalmente diferente (1967), em que o Chico e o Caetano teriam, respectivamente, 23 e 25 anos.
** O início foi inspirado em um trecho da entrevista do Caetano para o documentário "Uma noite em 67".
https://youtu.be/RVk1EWhgkC4
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Amor mais que discreto
Fanfiction"Mas pode dispensar a fantasia O sonho em branco e preto Amor mais que discreto Que é já uma alegria" Caetano conhece Chico no Festival de MPB de 1967, logo essa amizade se desenvolve em algo mais. Entretanto, que futuro poderia ter o relacionamento...