Era a segunda e última noite do show deles juntos. E estava tudo bem, aqueles dias a sós com Caetano na Bahia estavam sendo perfeitos. Perfeitos demais para continuar assim.
Chico soube, a poucos minutos de entrar no palco, que haviam mandado alguém da censura para acompanhar o show e produzir um relatório. Ele, preocupado, foi até Caetano, que já se preparava para entrar no palco.
"Caê, eu tenho que falar uma coisa com você."
"Mais tarde, meu bem. Tá na hora da gente entrar no palco."
"Mas..." - Chico até tentou contar, mas Caetano já estava dando um passo à frente para o palco.
Chico resolveu não se preocupar, afinal o show não havia nada demais. E estava tudo indo bem até Caetano começar a cantar "Esse Cara". Chico não se importou no começo, mas Caetano foi se aproximando dele com aquele olhar carinhoso e segurou a mão dele. Chico olhou a multidão e só de pensar que alguém da censura podia estar lá, um pânico o invadiu. Chico soltou a mão dele, e viu a dor nos olhos de Caetano, embora ele tivesse se esforçado para disfarçar e seguir com a música.
Quando o show acabou, Chico não conseguiu olhar para ninguém, foi às pressas para o camarim. Caetano atrás dele, completamente confuso. Chico tentava respirar, mas faltava ar. Tudo que conseguia sentir era medo, medo, medo. Seu peito pesava, como se algo terrível fosse acontecer. Só queria sair dali.
"O que aconteceu lá?" - Caetano perguntou, magoado demais para perceber as mãos trêmulas de Chico.
"Você não podia ter feito aquilo na frente de todo mundo!" - Chico andava de um lado para o outro.
"Não tinha nada demais, porque você..."
"Será que você não consegue ser mais discreto?!" - Chico gritou, batendo a mão na mesa.
Caetano se encolheu num primeiro momento, Chico nunca tinha falado assim com ele. Houve um silêncio sepulcral. Chico se deu conta do que tinha dito e nem ele mesmo se reconheceu, se sentiu péssimo.
"Caê, eu não..."
"Mais discreto, Chico?" - É como se aquelas palavras tivessem feito a raiva inflar dentro de Caetano. - "Me diz como eu posso ser mais discreto se nós estamos juntos e eu nem te toco em público!"
Caetano falava e falava, mas Chico só conseguia ouvir seus próprios batimentos. Ele estava tendo uma crise de pânico?
"Quer saber? Pra mim chega!" - Chico só ouviu Caetano gritar antes de bater a porta e ir embora.
"Caetano, espera! Eu não queria..." - Chico se sentou, apoiando a cabeça nas mãos. - "Droga!"
Eu não queria...
Não queria ter dito nada daquilo.
O que eu fiz?
*
Depois de um tempo, quando conseguiu se acalmar, Chico foi para casa de Caetano. Chico entrou, olhando por toda parte à procura de Caetano, até se deparar com a porta do quarto fechada.
"Caê, abre, por favor..." - Chico encostou contra a porta para sussurrar. - "Eu quero conversar."
"Vai embora, Chico!" - Chico escutou Caetano gritar do outro lado. Sua voz de choro fez o coração de Chico se apertar ainda mais, estava tão arrependido.
"Eu não queria ter falado daquele jeito..." - Chico suspirou, se apoiando contra a porta. - "Por favor, Caê... Eu só não posso te perder de novo."
Houve alguns segundos de silêncio, até que Caetano abriu a porta. O coração de Chico se apertou ao ver os olhos inchados e vermelhos de Caetano, ele claramente tinha chorado.
"Como se você se importasse! Seria bem mais fácil pra você não é, Chico?"
"Não diz uma coisa dessas..." - Chico estendeu a mão para tocar o rosto de Caetano, mas o mesmo se afastou.
"Você faz o que faz, e acha que é só vir até aqui e agir como se nada tivesse acontecido?" - Caetano dá as costas para ele, voltando para sentar na cama.
"Eu não queria ter dito nada daquilo! Você tem que acreditar em mim!" - Chico se aproxima dele.
"E por que eu deveria?" - Caetano continuava com raiva.
"Deixa eu explicar..." - Chico engoliu em seco, tentando ficar calmo e sentar ao lado de Caetano. - "Mandaram alguém pra fazer um relatório sobre o show. Eu não sei o que deu em mim, eu entrei em pânico... só de pensar que algo pudesse acontecer com você."
A expressão de Caetano começa a se suavizar. Dava pra ver o medo e o arrependimento nos olhos de Chico.
"E agora eu acabei magoando a última pessoa que eu queria."
"Por quê não me disse nada?
"Eu tentei... mas você tava tão animado com o show. Eu não quis te atrapalhar." - Os olhos de Chico começaram a ficar úmidos. - "Às vezes eu tenho tanto medo que aquilo se repita, que tirem você de mim de novo. Eu não posso suportar isso, Caetano. Eu preciso de você do meu lado."
Caetano finalmente abraçou Chico, acariciando suas costas suavemente.
"Nada vai acontecer. Eu tô aqui, não tô?" - Caetano olhou no rosto de Chico, acariciando, limpando uma lágrima do rosto dele com o polegar. - "Eu não vou sair nunca do seu lado."
"Me perdoa." - Chico olhou nos olhos de Caetano. - "Não vai acontecer de novo."
"Parece que sempre um de nós tem que estar paranoico com algo." - Caetano passou a mão pelos cabelos de Chico.
Chico deu um sorriso triste.
"Eu estraguei tudo, não foi?"
Caetano não aguentava ver Chico assim, trouxe ele para mais perto, apoiando a cabeça dele em seu peito.
"Não, você não estragou nada."
"Sabe que eu estou amando passar esse tempo aqui com você, não é?"
"Eu também..."
Eles ficaram algum tempo assim abraçados.
"Mas eu não gostei de você ter gritado comigo." - Caetano se afastou, repentinamente. - "Então você vai dormir no sofá hoje."
"Tá brincando, né?" - Chico riu.
Caetano entregou um travesseiro para Chico.
"Mas eu já pedi desculpa!"
Caetano continuou sério e Chico levantou com um suspiro. Ele caminhou um pouco até a porta e olhou para Caetano de novo, estava com a mesma expressão inalterada.
"Boa noite, Chico."
Chico suspirou, virando para ir para a sala, mas quando estava quase na porta ouviu Caetano chamar.
"Chico!" - Caetano abriu os braços. - "É brincadeira, vem cá!"
"Muito engraçado..." - Chico se deitou, abraçando Caetano. - "Desculpa, tá? Me senti horrível por ter dito aquelas coisas."
"Shh... Eu já esqueci." - Caetano deu um beijo nos cabelos dele. - "Amanhã você faz o café da manhã e fica tudo bem!"
Chico olhou sério para ele.
"Deixa de ser aproveitador!" - Chico deu empurrãozinho no ombro de Caetano, e os dois riram.
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Amor mais que discreto
أدب الهواة"Mas pode dispensar a fantasia O sonho em branco e preto Amor mais que discreto Que é já uma alegria" Caetano conhece Chico no Festival de MPB de 1967, logo essa amizade se desenvolve em algo mais. Entretanto, que futuro poderia ter o relacionamento...