Prólogo

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Estava frio, chovia muito e eu só me lembro de me sentir perdida. Essa foi a última vez que eu acredito ter visto minha mãe, eu me lembro da mulher indo embora com seu guarda-chuva florido, mas não tive a mínima vontade de segui-la; eu só fiquei olhando ela me deixar ali no meio da noite, no frio, sem se quer olhar para trás.

Se passaram poucos minutos quando uma luz do outro lado da rua se acendeu, a porta de uma casa humilde, assim como as demais da rua, revelou uma mulher que ficou me encarando e logo gritou.

— Menina! Entre! Você pretende ficar doente ou algo assim? — Eu sabia o que ela dizia, mas não sabia como responder, então só me mantive calada. Me lembro de pensar que tudo ficaria bem agora que não estaria mais sozinha.

Como eu estava errada, devia ter ficado na chuva e corrido em outra direção.

Aquela mulher, a qual calorosamente as pessoas chamavam de Mama, não era nada calorosa e sim tenebrosa, ela olhou no fundo dos meus olhos naquela noite e ordenou.

— Fique longe dos quartos, coma o que achar e tome conta dos seus assuntos. Você não é e nunca será parte dessa família, mas a Mama vai cuidar de você, menina Celina, muito melhor do que você merece. Balance a cabeça se entendeu. — Eu não tinha entendido até sentir a sua mão pesada se chocar contra o meu rosto, foi aí que entendi que não era boa coisa o lugar onde tinha me metido e o pior? Eu estava sozinha nele.

O dia seguinte amanheceu e eu apenas pensei em sumir, assim como a tempestade que tinha me atingido na madrugada.

Saindo pelas vielas daquela vizinhança vi uma senhora na janela, ela me chamou e perguntou o que uma garotinha tão pequena fazia sozinha, me lembro de apontar para o barraco da Mama e de ser surpreendida pelo espanto da senhora. Me guiando para dentro da sua casa, ela me alimentou e acabou por ajudar a tornar minha vida menos pior.

— Olha menininha, ouça com atenção, as pessoas ali não são boas, você não foi a primeira e não será a última, deixe que te vejam, mas não o suficiente para se importarem, se tiver fome não peça pra eles e evite aqueles homens como se fossem pragas. Eu vou ficar de olho em você, mas não vou me meter com aquela gente, se sabe seu aniversário? — Acenei de pressa e ela concluiu. — Quando você fizer o número sete eu vou te levar na escola, igual minhas crianças, se você estudar bastante talvez um dia saia daqui.

Eu fiz exatamente o que ela falou, se tinha algo na geladeira para comer eu comia, senão eu esperava e se alguém aparecia eu me escondia.

O pior foi quando descobri os homens, dois deles, o Tio, como chamavam, e o Avô. O Avô vivia com uma garrafa na mão e te olhava como se fosse lixo, dele foi fácil ficar longe. Já o Tio era legal, até demais, ele deixou de ser legal para mim quando me tocou. Eu tinha sete anos quando comecei a evitar todo mundo ali, para eles me ouvirem falar teriam que merecer minhas palavras e eu não fazia questão.

A dona Maria cumpriu a promessa e me levou à escola, o lugar que eu amava estar, lá eu comia e era tratada com dignidade, quando eu saia de lá ficava por perto até tarde relendo o que tinha aprendido, para enfim voltar para aquela casa e aguardar ansiosamente o outro dia.

Eu tinha nove anos quando entendi o que acontecia com as meninas e meninos que Mama trazia pra casa, o porquê de eles serem buscados por homens velhos e o porquê de não voltarem. O pior de descobrir, foi ver o estado deles se voltassem e o que acontecia depois.

Me sentia mal, pois desejava que eles estivessem aqui, quando estavam eu deixava de ser o alvo das atenções do Tio.

Com onze anos eu pensei em roubar deles, mas não consegui, pois sentia nojo do dinheiro, dinheiro que vinha de dor e sofrimento e por incrível que pareça fui pega no ato de devolver. Tomei minha primeira grande surra nesse dia, uma que me deixou desacordada por longas horas.

Quando menstruei pela primeira vez eu já estava visualizando meu destino e foi então que a Mama em sua solenidade, como ela mesma pontuou, me deu uma chave e o meu próprio quarto. As palavras dela foram como sempre as mais humilhantes possíveis.

— Pra você se fechar a noite. Do jeito que é, logo vai estar no cio e vai ficar a mostra por aí. Não estou afim que te tirem a virgindade. — Juro, poderia ganhar um prêmio de autodomínio por não socar aquela imunda. Ela sabe que se eu desse bobeira ia acabar sendo abusada, isso sim, eu respirei, agradeci e me lembrei que eu estava estudando e que ia ganhar uma bolsa em alguma universidade e nunca mais ia olhar na cara dela, mas por enquanto eu ainda precisava dela.

E tudo seguia como o planejado até que no auge dos meus quinze anos deixaram um menino na minha porta, ele tinha cerca de cinco anos, com medo do pior acontecer com ele eu o botei no meu quarto e comecei a cuidar dele. O tempo passou e deixaram outro e outra, agora cá estou eu, cuidando de três crianças e uma bebê sem nem poder cuidar de mim mesma.

Bem, mas dizem que não há nada tão ruim que não possa piorar, é o que eu estou tentando evitar a todo custo, porém parece que não há mais para onde correr.

Acompanhe a história de Celina e Peter, e tente com eles desvendar os mistérios que os cercam.

Gatilhos, por favor, tome cuidado se for sensível a esses temas. Abuso sexual, abuso infantil, agressão, abandono, suicídio, assédio.

Todos direitos reservado.

Plágio é crime.

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Capa da história feita por mim usando imagens da internet. Não possuo os direitos das imagens em seu interim.

Aproveite a leitura.

*lia

Comprada sem razões Onde histórias criam vida. Descubra agora