Capítulo 14

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Naquela noite, não desço para comer, opto por ficar na minha cama refletindo.

Sei que tenho muitos defeitos, mas não achei que ser egocêntrica fosse um deles, não consigo entender qual é meu problema. Não posso ter feito toda uma cena porque alguém não gostou de mim da maneira que imaginei que ocorreria. Quem eu pensei que era? A Xuxa.

Nunca me achei melhor que ninguém, ou quis ser a popular, ou o centro das atenções. Então por que será que eu fui tão babaca a ponto de constranger outra pessoa? E por que isso está causando tanta dor? Eu não sei me responder.

Sempre soube que eu não era bonita nem nada, mas nunca me doeu tanto como agora.

— Oi, tá tudo bem? — Peter entra com o seu notebook e se senta na sua cama. Aceno positivamente em resposta à sua pergunta.

Ele se acomoda e começa a trabalhar em algo, fico olhando ele por um tempo e isso me causa uma certa angustia, decido então parar e foco minha atenção no quadro, que chamo de "árvore na neve", ele fica de frente para minha cama.

Antes, quando eu estava muito triste, ou congelando por dentro, como aquela árvore deve estar, não tinha ninguém com quem conversar e eu não iria dizer nada as crianças sobre isso, mas Isa, a minha bebê, eu só precisava abraçar ela e eu esquecia todos os meus problemas. Ela tinha cheiro de carinho, se é que carinho tem cheiro.

Quando ela foi deixada na porta da casa da Mama, eu ia levá-la até a porta de outra pessoa. Nessa época eu tinha três crianças para me preocupar e ter um bebê tão pequeno não devia nem ser uma opção, mas aí eu peguei ela no colo e invés de eu confortá-la, era como se ela, aquele serzinho tão pequeno, tivesse dizendo "eu estou aqui para te amar por todos os que não te amaram". Não pude mais deixá-la.

Eu pensei que não poderia, mas deixei. Já faz quatro meses e pouco que não as vejo, e mesmo tendo tudo que preciso aqui, só quero abraçar minha bebê mais uma vez.

Saber que tamanho ela tem agora, as palavras que aprendeu a falar, se ela está se dando bem com a irmã, se elas estão bem. Minhas lágrimas se tornam tão difíceis de segurar que viram soluços.

Eu sei que se eu ficasse, elas sofreriam e que a minha dor é muito menor longe delas, do que perto vendo elas sofrerem, mas saber que elas podem pensar que eu também as abandonei leva uma parte do meu coração que jamais recuperarei.

— Ei, ei! — Peter me chama suavemente. — O que houve?

— Desculpa. — Não vou nem tentar, não vou conseguir dizer mais que isso.

— Pelo quê? — Não respondo. — Escuta só, se foi pelo acidente de hoje atarde, não se preocupa. Não fiquei bravo, achei até engraçado, não chora por favor.

Quando ele menciona isso, me sinto mais triste ainda, um tipo diferente de tristeza que seca minhas lagrimas e traz o sentimento de culpa.

— Olha, eu queria mostrar algo pra você, vem ver.

Ele pede que eu olhe o computador, mas para isso terei que subir na sua cama já que ele não se moveu para virar o notebook pra mim.

Me levanto e fico parada na beirada da sua cama.

— Posso subir? — Pergunto sem jeito e com a voz nasalada pelo choro.

— Claro. — Ele ergue a coberta para que eu entre. — Vem cá.

Me sento ao lado dele, não muito perto. Ele parece nervoso, provavelmente pelo meu recente ataque de choro.

— Estou trabalhando nisso. — Ele começa a me explicar sobre a construção de uma futura filial e diz sobre os problemas na obra e o dinheiro disponível. Gosto de ouvir ele falar.

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