EACF, 11 de janeiro de 2011, 1h00...
... Dezesseis horas e trinta minutos após o embarque no Hércules, ali estava eu, novamente envolvido em uma investigação de morte.
A lista de itens básicos, necessários para minha perícia criminal, providenciada pelo Cardoso, continha o seguinte: um par de luvas cirúrgicas, sacos plásticos, um grampeador, fita adesiva transparente, algum tipo de pó branco, de granulometria fina, que poderia ser talco, um pincel macio e uma lupa. Se houvesse também grafite em pó, seria interessante. Solicitei também uma almofadada de carimbo e que alguém coletasse as digitais de todos na estação, a fim de preparar uma "ficha individual datiloscópica". Uma folha de papel para cada um, com o nome no cabeçalho e a identificação de cada impressão papilar.
Já foi dito: "A perícia é a última voz da vítima. Se a perícia não existir, a vítima não será ouvida e a justiça não será feita". A cena do crime, portanto, é a última oportunidade da vítima falar. Tendo em mente isso, da responsabilidade do ato, após calçar as luvas, iniciei com o procedimento número um: fazer muitas fotos! Utilizando a máquina fotográfica digital, bati fotos do local, dos objetos, do corpo, do ferimento, da arma do crime e de tudo o mais que foi sendo evidenciado pela análise. Fotos são sempre o primeiro procedimento, pois, se mudarmos acidentalmente algo de lugar, elas irão revelar isso depois.
Os ocupantes do aposento não haviam colocado praticamente nada nos armários, deixando também pouquíssimos objetos sobre a mesa. As malas mal estavam desfeitas, afinal, estava previsto que embarcassem no navio Prof. Besnard, assim que este chegasse à enseada Martel.
Sobre a mesa havia uma agenda, um livro e uma tesoura. Abri a agenda, cujo marcador estava exatamente na data da nossa chegada à estação — o dia anterior, pois já passava da meia noite. Na página desta data, estava escrito: "Verificar P, R: 306.320, 308.810, 306.820, 306.309. EI-AC-1-1-10de" e, numa linha abaixo, o valor de "$50.000". O que significaria aquilo?
Quanto ao livro, o título era "Crime em Dois Atos", de Patrícia Rocha. Na primeira página, uma dedicatória da autora, endereçada a um leitor, assim: "Grande estima e consideração". Supus que o livro fora resgatado num sebo. Na orelha, uma foto da autora, provavelmente de quinze anos atrás, pois o livro era de 1996 e alguns dados biográficos. Internamente, várias páginas possuíam anotações, como se estivesse sendo feita uma revisão. Olhando atentamente aquela foto, com a lupa, fiquei surpreso com a semelhança de Ema Arantes com Patrícia Rocha, embora Patrícia tivesse cabelos pretos. Mas eu podia jurar, olhando com bastante atenção, que eram a mesma pessoa. Seria a bióloga também escritora, utilizando-se do pseudônimo "Patrícia Rocha"? Ou, talvez, quem sabe, fosse um heterônimo? Coloquei o livro e a agenda em sacos plásticos separados, grampeando-os.
Quanto à tesoura, de tamanho médio e afiada, não havia nela sinais de sangue aparente. Por ser metálica, mesmo o uso de luminol poderia indicar falso positivo. De qualquer modo, embora houvesse digitais visíveis nela, a arma do crime era evidentemente o osso de baleia. A princípio, ignorei-a, como possível vestígio material, mesmo assim, lacrei-a num saco.
Em seguida, ative-me ao morto. A cabeça virada de lado, olhos fechados, boca entreaberta, o canto esquerdo do lábio encostado no chão. Se a face expressara alguma emoção pela morte, esta se desfizera no falecimento. Retirei o osso de baleia, até então cravado em suas costas, com muito cuidado, pois necessitaria verificar depois a existência de impressões papilares latentes, isto é, digitais invisíveis a olho nu. Coloquei a arma do crime em outro saco plástico, lacrando-o com grampos. Na nuca da vítima havia um pequeno ferimento, um pequeno corte, curiosamente sem sangue. Teria sido uma unha? Unha de mulher?
Virei o cadáver de lado e segurei-o um pouco nessa posição, para examiná-lo. Examinei também suas mãos, nenhum sinal de objetos, nem de espasmo cadavérico, mas havia um fio de linha preta, curto, enganchado na unha do polegar direito. A unha possuía uma lasca, onde a linha estava presa. Sinal de briga? Retirei o fio, guardando-o para ser analisado como possível vestígio.
Examinado os bolsos, da calça e da jaqueta, nada havia. Curiosamente, ele vestia uma jaqueta da Marinha sem nada por debaixo, nem camisa ou camiseta, o que revelava o peitoral atlético que possuía. A jaqueta, que possuía muitos botões e estava aberta, não possuía nenhuma identificação de oficial e havia nela uma mancha de café, próximo da gola.
"Que coisa estranha! Veste uma jaqueta aberta, sem camisa por baixo? Por quê?"
Procurei pela camisa que ele vestia, uma camisa preta, de mangas compridas e a encontrei na mala, enfiada de qualquer jeito. O fio preto era perfeitamente compatível com o tipo de tecido da camisa, mas não encontrei, na vestimenta, qualquer rasgo ou fio puxado. A camisa era nova e estava intacta. Olhando por debaixo das camas, encontrei um lenço colorido, desses que as mulheres usam na cabeça. Havia sangue nele. Utilizei-me de outros sacos plásticos para guardar não só a camisa, como o lenço.
Dei uma olhada geral no quarto. A única forma de entrar era pela porta. Não havia alçapão de emergência no teto, como no alojamento de Humberto. E a janela era de vidro espesso, não abria, sendo a ventilação realizada por duto.
Julgando ter terminado minha perícia — precária, por sinal, devido às circunstâncias e pouca luz — pedi que retirassem o corpo, solicitando ao médico ainda que o examinasse sem as roupas, para verificar se havia algum hematoma ou qualquer outro sinal importante, cujo resultado acabou por ser negativo, não havia mais nada. Soube que não haveria, na estação, possibilidade de exames laboratoriais, em especial de sangue, mas que seriam retiradas amostras, para posterior análise. Ao menos, o corpo poderia ser conservado em frigorífico. Por fim, pedi que trancassem e isolassem o quarto, caso fosse necessário retirar digitais dos móveis ou da maçaneta da porta, bem como fazer outras verificações, a posteriori.
Um pouco mais tarde, em uma mesa com luminária, valendo-me da lupa e de substância reveladora (o pó de granulometria fina — no final, forneceram-me talco mesmo), verifiquei as digitais no osso de baleia. O pó revelador de cor branca fora bem apropriado na retirada das digitais do osso, porque, parte dele, que seria o "cabo do punhal", estava bem escurecido pela ação do tempo. Já na agenda e no livro, por terem superfícies claras, utilizei a grafite em pó. Com muito cuidado, espalhei o pó revelador com o pincel sobre as superfícies, colhendo as digitais com fita adesiva.
Por sorte, conseguira a contracapa de um manual, na cor preta, para depositar as digitais retiradas com o pó branco — e que seriam as digitais que iriam me interessar mais. A perícia datiloscópica, enfim, revelara algo importante: havia impressões digitais na arma do crime! E eram da bióloga Ema Arantes!
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Delegado Basílio dando um show, não acham? Quem o considerava um velho senil, não contavam com isso: a experiência adquirida, numa mente lúcida, jamais é perdida. Mas, cuidado, delegado, seus oponentes farão tudo para desestabilizá-lo...
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Assassinato no Continente Gelado
Mystery / Thriller🏆1º Lugar no Concurso Caneta de Ouro (Melhor Cenário) 🏆2º Lugar no Concurso Jane Austen 2022 (Romance) 🏆3º lugar no Prêmio UBE/Scortecci, 2005 (Romance). Estação Antártica Comandante Ferraz: uma nevasca e um crime! Dezoito pessoas incomunicá...