À minha frente, o responsável por me jogar nos braços da Antártida, a gélida e fria Antártida (enquanto que aquele rapaz encontrava-se nos braços de um vulcão aceso). Ainda estávamos acomodados nas confortáveis poltronas do piano-bar, perto da lareira. Voltei-me para o contra-almirante H. Nunes ou, simplesmente, almirante e perguntei se ele também estava de férias.
— Quem me dera! — respondeu. — Estou em missão para o governo federal. Sou secretário da Secirm, a secretaria de Recursos do Mar. Conhece o Proantar?
— Não.
— Proantar: o Programa Antártico Brasileiro. Seu desconhecimento do assunto é a prova de como os temas antárticos no Brasil são praticamente ignorados. A mídia pouco se interessa.
— Isso é fato! Então está indo para o continente gelado...
— Sim, amanhã! Embarco logo cedo, rumo à Estação Antártica Comandante Ferraz. Mas só fico um dia e uma noite por lá.
— A estação brasileira? Um conhecido meu, o Jairo, falou do assunto. Ele é professor de Geografia.
— Um professor haveria de conhecer. Sim, é a nossa estação.
O almirante então me explicou haver uma disputa, muito comum na área científica, entre a "pesquisa básica" e a "pesquisa aplicada". Buscava concentrar-me no assunto, muito embora aquele casal tão perto de nós distraísse sempre minha atenção. Estariam em lua de mel?
— Investigar o continente sem a obrigação de desenvolver novas tecnologias... Ou reverter em tecnologia qualquer estudo empreendido: eis a questão.
Enquanto ouvia as enfadonhas explicações, o casal, para minha tristeza, retirou-se do piano-bar. Com certeza, iriam finalizar no quarto o que haviam começado ali.
— O ministro da Ciência e Tecnologia é um dos que defendem a pesquisa aplicada — comentara o almirante, enquanto eu desviava meus pensamentos para outro dos prazeres mundanos: tomar uma boa taça de vinho. — Ele acha que só isso vai garantir verbas da iniciativa privada ao Proantar.
— Ele quem, desculpe-me?
— O ministro, Basílio!
— Ah, sim! Pelo que entendi, nem o governo federal, nem a iniciativa privada, estão querendo botar a mão no bolso sem contrapartidas financeiras. Não querem o estudo pelo estudo. Querem investir, mas ter garantias de lucro nesse investimento.
— Compreendeste bem. Isso mesmo! Pensei que nem estava prestando atenção...
— Na minha profissão aprendi a ter um olho no peixe e outro no gato. Mas também estava difícil me concentrar, com aqueles dois... Puxa!
Ele concordou, com um assovio. Sugeri tomarmos uma taça de vinho. O almirante não apenas acatou a ideia, como ainda fez questão de escolher um bom vinho chileno. Saboreou sua bebida, como quem entendesse do assunto, um verdadeiro sommelier, dando-me explicações a respeito:
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Assassinato no Continente Gelado
Mystery / Thriller🏆1º Lugar no Concurso Caneta de Ouro (Melhor Cenário) 🏆2º Lugar no Concurso Jane Austen 2022 (Romance) 🏆3º lugar no Prêmio UBE/Scortecci, 2005 (Romance). Estação Antártica Comandante Ferraz: uma nevasca e um crime! Dezoito pessoas incomunicá...