Finalmente, após muitos solavancos, pousamos sãos e salvos na base chilena presidente Frei. A sensação que tive ao desembarcar foi a de estar pisando em outro planeta. O gelo e as rochas vulcânicas, expostas durante o verão e com o céu encoberto, davam ao lugar um aspecto fantasmagórico. Estávamos na ponta da Antártida, mesmo assim o lugar era muito frio.
Felizmente parara de ventar, o que elevou a temperatura para 4ºC, eliminando momentaneamente os efeitos da sensação térmica. Mas quando pensei que o martírio aéreo tinha terminado, fui informado que haveria ainda um percurso de helicóptero de meia hora até a estação brasileira. Por sorte foi uma viagem tranquila, sem ventos e com luz solar. Quando enfim sobrevoamos a EACF, observei que ela era constituída de um grande aglomerado de contêineres de aço navais, interligados entre si. Tinha um quê de alojamento militar. Separadamente havia mais alguns módulos que me informaram serem de apoio. Já o heliponto ficava junto a um lago, não muito longe do corpo principal da estação, de onde era retirada a água para o abastecimento.
O lugar era bonito, tenho de reconhecer. Uma beleza fria, mas fascinante. A EACF estava instalada defronte à enseada Martel, na baía do Almirantado, península Keller. A distância dela até a praia não era grande. Às suas costas, o Morro da Cruz, que, mesmo no verão possuía áreas permanentemente cobertas de neve. Vez ou outra o almirante me dava alguns esclarecimentos:
— A ilha Rei George onde estamos agora faz parte do arquipélago Shetland do Sul, na beirada da Antártida. Em 1820, quando Edward Bransfield da Marinha britânica aportou no continente, o fez exatamente nesse arquipélago. Foi a primeira vez que o continente antártico foi avistado.
O helicóptero já havia pousado e nos encaminhamos a pé para a estação. H. Nunes apontou-me na enseada um navio turístico — um transatlântico em cruzeiro, que se afastava lentamente. Eram comuns tais embarcações por ali e às vezes turistas eram autorizados a visitar a EACF.
— A enseada Martel é o local onde os navios ancoram, mas no inverno tudo vira gelo. Pode-se atravessar a pé de um lado a outro.
— Almirante, nem me fale do inverno. Se o verão já é assim...
Ele riu:
— Pense nisso aqui no inverno... O dia começa a clarear às doze horas e pouco depois já está noite de novo. No auge do inverno o sol praticamente não aparece. Por cem dias, quando o sol começa a surgir no horizonte, ele logo se põe. Os dias passam sem que nada de novo aconteça... O sol sempre abaixo do horizonte... A quase total penumbra...
— Que diabos, almirante!
O almirante conteve o riso:
— Tranquilize-se! No verão ocorre o contrário. O sol está para se pôr mas logo já nasce. É o chamado "sol da meia-noite". Assim, se no inverno nunca amanhece, no verão nunca anoitece.
Dei um suspiro:
— Enfim uma boa notícia!
O desgraçado do almirante deu uma gargalhada daquelas bem escrachadas. Eu realmente estava com medo, não era feito de aço. Minha vontade era de ir a um daqueles lugares bem ermos e soltar uns belos de uns palavrões, bem alto, gritando e espantando todos os pinguins da região. Cacete, onde é que a Regina fora me enfiar?
Subimos enfim uma pequena escada de ferro e adentramos a estação. Surpreendi-me! Muito diferente do que esperava. Se o avião de carga me preocupara, a estação Comandante Ferraz constituíra-se num alívio. Temperatura ambiente em torno de 20ºC, que nos permitiu desvencilhar das pesadas roupas. Tudo simples, mas confortável.
Após o hall de entrada avistei uma sala de estar, exibindo uma enormidade de brasões oferecidos por outras estações antárticas — também por visitantes ilustres e por navios de pesquisa ou turismo, que frequentemente fundeavam na enseada. Estávamos na ala residencial. Havia um livro de Visitas de quinhentas páginas, reverenciado como um livro sagrado. Nele os visitantes podiam deixar registradas suas impressões. Na primeira página li o seguinte:
"Para a Estação Antártica Comandante Ferraz, que ela seja uma contribuição positiva do Brasil em prol do fortalecimento e crescimento do espírito que atualmente reina na Antártica. Aqui se verifica que é possível a pessoas de diferentes nações, de diferentes raças e de diferentes crenças viverem em paz, ajudando-se mutuamente, como verdadeiros irmãos.
"Continente da Esperança, Baía do Almirantado, em 6 de fevereiro de 1984.
"Comandante do NApOc Barão de Teffé, capitão-de-mar-e-guerra, Paulo Cezar de Aguiar Adrião."
Eu viria a deixar uma mensagem nesse livro, a única prova viva de minha passagem pela estação, afinal muitos posteriormente creditariam essa minha narrativa a uma ficção. Mas infelizmente o livro seria consumido pelo incêndio em 2012, apagando-se assim para sempre o registro inconteste de minha passagem pela base brasileira.
Voltando a relatar nossa chegada, apesar do ambiente doméstico, fomos recebidos sem festa. Já a par da iminente paralisação das atividades, estavam todos mui desanimados. Sem perda de tempo, após nos alojarmos, o almirante marcou uma reunião que se daria em poucos minutos, às13h00 no auditório.
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Só uma perguntinha... Por um acaso é nessa estação que vai ocorrer aquele crime, decantado em verso e prosa lá no início? Nossa, esse delegado quer mesmo fazer suspense! Mas eu pagaria para ver: continuaria em frente. Ao infinito e além!* Registre seu voto e comentário..
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Assassinato no Continente Gelado
Mystery / Thriller🏆1º Lugar no Concurso Caneta de Ouro (Melhor Cenário) 🏆2º Lugar no Concurso Jane Austen 2022 (Romance) 🏆3º lugar no Prêmio UBE/Scortecci, 2005 (Romance). Estação Antártica Comandante Ferraz: uma nevasca e um crime! Dezoito pessoas incomunicá...