Fitando a estação inglesa com muito interesse, Carlos sugeriu:
— Vamos até lá?
Ernani sentiu um arrepio:
— Acho melhor não! Existe risco de desabamento.
Patrícia avalizou:
— Assino embaixo! Acho melhor não irmos.
Ernani ainda foi mais enfático:
— Não é só pela tempestade. Aquele lugar é sinistro! O local está abandonado há anos, mas é como se nunca tivesse sido. Ainda há vários vestígios dos seus ocupantes!
— Ah, agora mesmo é que eu vou! Fiquei curioso.
Patrícia não hesitou em acompanhar o amante. Ernani, meio a contragosto, resolveu segui-los. Carlos, no fundo, tinha um interesse escuso, que Patrícia desconfiou ser a tal 'encomenda', do tal 'colecionador'. Somente aquilo poderia justificar a insistência dele em ir àquela estação abandonada. No caminho, Carlos perguntou:
— E como morreram os ingleses?
— Não sei ao certo, parece que foi por causa de um deslizamento de terra. Já o brasileiro teve um infarto. Não estou falando? Há alguma força maligna por aqui!
— Tudo bobagem! Pessoas morrem em todos os lugares, a toda hora — afirmou Carlos.
Caminhavam com dificuldade, ora sobre as pedras soltas, ora sobre a neve. Quando finalmente chegaram na base inglesa, a famosa "base G" ou "base de Fitz", já ventava forte, indicando que a tempestade estava cada vez mais próxima. O lugar era realmente sombrio, com portas desalinhadas e janelas emperradas; a luz não entrava; o piso de madeira rangia e os remetia a um tenebroso filme de terror. Havia objetos por toda a parte, como botas abandonadas num cômodo; um assento sanitário de madeira no outro; latas de alimentos, com biscoitos, gorduras e conservas, espalhados. Mas não havia nada mais fantasmagórico que a biblioteca e suas estantes. Eram os livros, inchados pela ação da água, que durante o verão escorria pelas goteiras no teto. Ernani advertiu:
— Não toquem neles! As páginas se desmancham muito fácil.
Carlos parecia procurar algo, mas Ernani, tão tenso que estava, nem percebeu. Patrícia sim. Ele fazia algum tipo de associação mental, até chegar a um livro, numa das estantes. Pareceu a ela que ele fingiu ter achado um determinado livro por acaso. Disse:
— Um livro policial! Quem diria...
Sem que Ernani percebesse, mas sob o olhar atento de Patrícia, Carlos tirou de dentro do livro uma embalagem plástica, com fecho de pressão. Havia um papel amarelo dentro da embalagem. Rapidamente, Carlos colocou-a no bolso, passando o livro a Patrícia, objetivando que ela distraísse Ernani. Ela surpreendeu-se:
— Nossa, que legal! Agatha Christie! A estação é inglesa, era de se esperar. "Death Comes as The End", escrito em 1945. E a edição é de 1960. Incrível!
Patrícia, que conhecia muito bem a autora, por também ser uma escritora policial, traduziu o título, de forma solene:
— A morte vem como fim! Isso, ao pé da letra. O que ela quis dizer, provavelmente, foi "No final a morte vem".
Ernani, que voltara novamente sua atenção para os dois amantes, arrematou:
— Melhor: "E no final a morte"! Não estou dizendo? Esse lugar é mal-assombrado! Vamos embora, agora!
Providencialmente, um barulho estranho desviou a atenção de Ernani, fazendo-o ligar-se menos ainda aos secretos motivos de Carlos para estar ali. Patrícia, porém, não se conteve e perguntou:
— O que foi que você pegou aí, Carlos?
— Xiu! Quieta — pediu ele, colocando o dedo indicador sobre os lábios dela. Determinou:
— Nenhuma palavra sobre isto!
Ela, entendendo do que se tratava, acatou o pedido de silêncio. Enquanto isso, Ernani verificava uma janela, para descobrir se o barulho que ouviram viera dela. O vento uivava do lado de fora.
Carlos recolocou o livro no lugar. Foi quando a porta da sala destinada à biblioteca, contígua à sala de entrada da base de Fitz, bateu forte, seguido de um ranger de assoalho. Haveria alguém os espionando? Patrícia abriu a porta que dava para o outro lado e não avistou ninguém. Vasculharam a estação e nada! Nenhum vestígio! Ernani estava apavorado:
— Por Deus! Vamos embora!
— Foi apenas o vento — esclareceu Carlos.
— E o barulho no assoalho, Carlos? — indagou Patrícia.
— Pat... Parece contração nas tábuas de madeira, Ema — ele quase ia dizendo o nome errado, embora fosse o certo.
Patrícia, de forma sarcástica, não perdeu a chance de amedrontar ainda mais o meteorologista:
— Isso foi o que disseram em Hydesville, nos Estados Unidos, em 1848, quando as irmãs Kate e Margareth Fox passaram a ouvir sons assim, dentro de casa. Com o passar do tempo, chegou-se à conclusão de que se tratava, na verdade, do Espírito de um homem, que queria avisar que fora assassinado naquela casa, com um golpe de faca de açougueiro — e que seu corpo estava enterrado na adega. E, de fato, o corpo foi encontrado lá, depois!
Ernani teve quase um ataque. Disparou, afetado:
— Agora chega! Não quero ouvir nem mais uma palavra! Vamos agora!
Saíram rapidamente,com Ernani indo à frente, passos largos e firmes, a guiar a comitiva. Já nevava!Alcançar a EACF o mais rápido era o melhor que podiam fazer.
---------
Tenebrosa, essa estação Fitz, ainda mais recheadas com as histórias que a Ema contou! Jesus! Mas, abrigar-se na EACF, é o melhor, porém, não saio de lá por nada desse mundo, até descobrir quem vai morrer e por quê! Pois, se alguém não morrer, foi propaganda enganosa do delegado! Em frente e avante!
*Registe seu voto e comentário. Grato.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Assassinato no Continente Gelado
Mystery / Thriller🏆1º Lugar no Concurso Caneta de Ouro (Melhor Cenário) 🏆2º Lugar no Concurso Jane Austen 2022 (Romance) 🏆3º lugar no Prêmio UBE/Scortecci, 2005 (Romance). Estação Antártica Comandante Ferraz: uma nevasca e um crime! Dezoito pessoas incomunicá...