15 - Primeiro Voo

133 19 31
                                    

Punta Arenas, 10 de janeiro de 2011, 8h30 (14 horas antes)

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Punta Arenas, 10 de janeiro de 2011, 8h30 (14 horas antes)...

... A impressão que o almirante passava, diante de toda aquela situação com a comunidade científica, era a de que não estava lá se importando muito com as consequências de seu convite, o qual, talvez, pudesse vir a ser considerado uma arbitrariedade, muito embora, segundo informou, eram comuns convites como aquele, principalmente em se tratando de pessoas ilustres. Fiquei lisonjeado com o "ilustre". No entanto, o convite era, no mínimo, inapropriado para o momento. Eu relutei, mas Regina me incentivou:

— Querido, oportunidade única!

Infelizmente, ela não poderia ir, porque só havia uma vaga no avião. Ainda assim, estava empolgada com a ideia deu-me corda:

— Nossa! Eu iria correndo. E não precisa se preocupar comigo, vou ter a companhia da Clara e Jairo.

Assim, pouco mais tarde, às oito e meia, surpreso pelo fato de ter aceitado ir, sem opor grande resistência, talvez com o raciocínio já embotado e congelado pelo frio, embarquei rumo à estação antártica Comandante Ferraz. A minha mala praticamente estava pronta e, com Regina organizando, foi tudo muito rápido — e tinha de ser, afinal, entre o convite e o embarque, o prazo fora estreito: perto de uma hora.

Por incrível coincidência, nos acompanharam, na viagem, o rapaz e a mulher que estavam aos beijos no hotel, na noite anterior. Fiquei surpreso:

— Ora, ora! Quem diria!

Anunciaram-se a nós. Marido e mulher: Carlos Eduardo Aranha e Ema Arantes. Ambos biólogos da USP. Ema, uma beldade de cabelos loiros encaracolados, mais velha do que ele uns oito anos. Carlos, um rapaz atlético e de traços másculos, do tipo que impressiona somente pelo porte físico. O almirante explicou-me, depois, que os dois estavam sendo custeados pela USP e que apenas pegavam uma carona no avião da FAB. Nada tinham a ver, pelo menos não diretamente, com o problema financeiro que atravessava o Proantar.

— Havia a previsão inicial de que ficassem na EACF até o final do verão. Dada à impossibilidade, fui orientado, mesmo assim, a levá-los até a estação antártica e de lá, por mar, encaminhá-los ao Besnard, assim que o navio fundeie na enseada Martel.

— Não os conhecia, almirante?

— Não, até ontem à noite. Depois que você saiu do piano-bar, eles voltaram e vieram falar comigo. Apresentaram-se e perguntaram sobre a viagem para a EACF, hoje cedo. Até então, eu só sabia que iam conosco dois biólogos da USP e que nos encontraríamos aqui, hoje cedo.

O casal chegou justamente quando eu dava um beijo de despedida em Regina, tendo havido tempo de apresentá-los a ela. Um pequeno detalhe: os voos da FAB não têm relação direta com o Proantar, mas servem de apoio a este. Antes de tudo, a EACF é um território brasileiro, tornando-se indispensável a presença das Forças Armadas, havendo também inúmeras operações de funcionamento e manutenção, que os cientistas não reúnem condições de realizar.

Eu nem sei em que tipo de avião eu imaginava viajar, mas não esperava uma aeronave básica de transporte pesado, ou seja, um avião de carga! Quando vi que se tratava de um dos famosos Hércules C-130, da FAB, até me entusiasmei. Estava diante de uma lenda da aviação mundial. Mas meu entusiasmo não iria além do visual, quando vi as acomodações internas.

Com a anuência do tenente-coronel Ernesto, comandante do Primeiro Esquadrão de Transporte Aéreo — o Esquadrão Tracajá, partimos, às oito horas e trinta minutos, rumo ao desconhecido. Sobrevoamos o estreito de Drake e logo nos informaram que as águas estavam bem agitadas, o que não era novidade alguma.

O avião possuía um largo espaço interno. Sentamo-nos encostados à fuselagem, havendo poucas vigias de visualização para o exterior. Precisávamos ficar sentados e afivelados aos cintos de segurança, devido às fortes turbulências. Parte do interior estava repleto de carga, cujo transporte fora contratado pela base chilena. O interior do Hércules era muito versátil, poderiam ser instaladas cadeiras centrais ou mesmo bancos do tipo de carreira, quando necessário.

Frio insuportável, temperatura de zero grau, sendo necessário nos agasalhamos até o pescoço, com roupas polares totalmente desconfortáveis. Ventos fortes faziam o avião balançar, nos dando a impressão de que a aeronave poderia cair a qualquer instante. Em algum momento, alguém teve a infeliz ideia de relembrar histórias de viagens anteriores, sobre o trem de pouso não querer baixar — realmente, muito 'apropriado'.

A apreensão da tripulação era nítida, com a perspectiva de que o avião, devido ao mau tempo, não pudesse retornar ao Chile na manhã seguinte, como previsto, principalmente em caso de tempestade na ilha. Assustei-me:

— Tempestade?

— Costumam ocorrer, delegado, com possibilidade de nevascas, mesmo no verão — comentou um dos tripulantes.

— Nevascas?

O almirante socorreu-me:

— Acalme-se, Basílio.

— Ficar calmo? Como? Estou me sentindo dentro de um avião de guerra e ainda vamos enfrentar uma tempestade de neve?

O almirante divertia-se, o miserável:

— Tu sabe rezar?

Foram três horas muito tensas, até a base chilena Presidente Eduardo Frei Montalva, na ilha Rei George.

-----------
Não sei o que é pior, viajar por mar ou pelo ar! Chegar nessa Antártida não é fácil. E esse almirante, sujeito sádico, sô! Uai, mas o delegado aceitou ir, agora 'guenta', diria o mineirim! Vamos prosseguir e ver no que vai dar essa fria?

* Não deixe de registrar seu voto e comentário.

Assassinato no Continente GeladoOnde histórias criam vida. Descubra agora