9 - Falanges Distais

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Enquanto o corpo de Carlos Eduardo jazia na pequena câmara frigorífica, ativada apenas para guardá-lo, uma pergunta ecoava ressoante em toda a estação: "Whodunit? Quem o matou"? Todavia, parecia que ainda estávamos longe de responder a essa pergunta

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Enquanto o corpo de Carlos Eduardo jazia na pequena câmara frigorífica, ativada apenas para guardá-lo, uma pergunta ecoava ressoante em toda a estação: "Whodunit? Quem o matou"? Todavia, parecia que ainda estávamos longe de responder a essa pergunta.

Prosseguindo na investigação, fiz a conferência das digitais do osso-punhal, através da lente de aumento. Se bem me lembrava do ofício, deviam-se buscar pelo menos doze pontos característicos coincidentes, para se considerar uma impressão igual à outra. No caso presente, as digitais no osso-punhal não eram tão boas, mas havia quatro falanges distais, garantindo, assim, elementos suficientes para uma identificação positiva.

— Treze pontos na loteria! São mesmo de Ema Arantes! Da mão direita.

O almirante era um sujeito bem impaciente:

— E isso não resolve o caso?

Não partilhava da mesma certeza:

— Será?

O almirante mostrara-se crédulo demais:

— E o que tu quer mais? Primeiro, ela fala sobre um assassino que saiu por uma porta e que andou sobre a neve sem deixar pegadas. Depois, são encontradas suas digitais na arma do crime, arma inclusive que ela própria trouxe para dentro da EACF e que, segundo uma testemunha, empunhou contra o marido num suposto ato de brincadeira. Há, inclusive, pela tua lista, um lenço de cabeça manchado de sangue — é aquele ali, no saco plástico, não? Lenço que, naturalmente, é dela. O que mais tu espera, Basílio?

Não queria me precipitar:

— Está tão evidente, não? Mas, embora as evidências sejam fortes, existe algo a favor dela, além da falta da discussão com o marido.

Inês indagou:

— E o que seria?

— A posição das falanges distais.

— Falanges distais?

Surpreendi-me que ela não conhecesse o termo:

— Sim, as pontas dos dedos. No osso-punhal, elas se encontram na posição esperada, para quem segure um objeto perfurante no alto e desfira o golpe, ou seja, as pontas dos dedos ficam alinhadas e voltadas para baixo. Mas...

Alisei meu bigode, pensativo:

— Pode me emprestar seu notebook?

O almirante respondeu que sim. Estava sobre a mesa:

— É todo seu.

— Grato.

Em posse do computador, passamos as fotos da câmera digital para o HD e assim conseguimos ampliá-las com o zoom. Esclareci:

— Temos que também levar em conta a posição do osso no corpo da vítima. Observem essa lasca no osso. Analisando-se a posição das digitais no osso e, a considerar a natural posição da mão, ao desferir o golpe, a lasca ficaria voltada para cima, ou seja, para a cabeça da vítima. No entanto, vejamos a foto que tirei.

Demos um zoom na foto:

— Notem! A lasca, no golpe fatal, está voltada para a região lombar e não para a cabeça.

— E o que significa?

— Não te parece claro, almirante? O osso-punhal está girado 180 graus no corpo da vítima, portanto, as falanges distais estão para cima — e não para baixo! A considerar a posição do osso no corpo, ninguém teria conseguido desferir um golpe com a mão torcida desse modo, em 180 graus, produzindo essas digitais, nesse mesmo golpe.

O almirante parecia confuso:

— Mas essa não é a arma do crime?

— É — respondi. — Sem dúvida!

O almirante, por fim, compreendeu aonde eu queria chegar:

— Então essas digitais não foram produzidas no golpe fatal!

— Elementar, meu caro H. Nunes! Foram produzidas em outro momento. E, decerto, quando ela fingiu golpear o marido no passeio pela praia. Poderão me perguntar: "Mas ela estava sem luvas, lá fora, com esse frio"? Sim, estava. Perguntei ao Ernani, que me confirmou, Ema esqueceu as luvas aqui na EACF e saiu com as mãos nos bolsos. Quando pegou o osso, estava sem luvas. Deixou as digitais naquele momento. Mas, quando a arma rústica foi utilizada para golpear a vítima, quem desferiu o golpe, segurou o osso rotacionado em 180 graus.

Inês finalizou minha reflexão:

— E quem usou o osso para golpear Carlos, usou luvas ou... Claro! Usou o lenço de cabeça, por isso o mesmo está manchado de sangue!, afinal, o lenço já enrolava o osso, depositado sobre a mesinha do quarto.

Aplaudi. O almirante comentou, desiludido:

— As digitais, portanto, não a incriminam...

Confirmei, mas fiz uma ressalva:

— Não a incriminam, mas também não a inocentam, porque, muito provavelmente, o lenço de cabeça é dela própria. Usou o lenço, evitando novas digitais, mas se esquecendo de eliminar as antigas. A defesa irá trabalhar bem essa questão das digitais invertidas, porque isso abre margem para outras especulações, por exemplo: a de que alguém, tendo visto a cena na praia — e tendo observado Ema deixar suas digitais no osso, utilizou-o, a fim de tentar incriminá-la, mas inverteu acidentalmente a arma.

— Mas quem? Ernani? — perguntou o almirante.

— Sim! E quem mais? — respondi.

O almirante mostrou-se mais uma vez desiludido:

— Nunca imaginei que uma investigação fosse tão difícil. Quando parecemos perto, vemos que estamos ainda mais longe. Tua vida, quando na ativa, não deve ter sido fácil, delegado.

Arrematei:

— E continua não sendo, mesmo aposentado.

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O almirante estava realmente desanimado:

— Basílio, essa tua brincadeirinha de adivinhação não vai dar em nada. Basta respondermos a uma pergunta, que surgem outras duas...

— Calma, almirante, tudo no seu devido tempo. Dedução, indução, intuição, são muitos os caminhos investigativos. Das hipóteses, caminhando pela convicção, até se chegar à certeza, o caminho é árduo. Lembre-se: convicção não é certeza! Houve um célebre francês, o Prof. Rivail, que disse: "Não podemos admitir uma explicação como válida, senão quando ela possa resolver a todas as dificuldades da questão".

Inês comentou:

— Rivail, aquele do Espiritismo?

Não havia mesmo o que ela não soubesse, exceto sobre as falanges distais. Que ela o conhecesse como Allan Kardec, tudo bem, mas como Prof. Rivail, seu verdadeiro nome, já era demais! O almirante cruzou os braços:

— Está bem! E o que fazemos agora?

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Alguns fatos já eram conhecidos do leitor, mas que só aos poucos o delegado e seus amigos vão descobrindo. Todavia, não podemos esquecer de uma coisa: Patrícia está oculta na pele de Ema... O delegado já suspeita de algo, devido ao livro "Crime em Dois Atos". Porém, quanto tempo ainda, ela viverá essa farsa, antes de ser desmascarada? Estou doido para saber e você?

*Por gentileza, registe seu voto e comentário. Grato.

Assassinato no Continente GeladoOnde histórias criam vida. Descubra agora