14 - Tempestade Aplacada

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O zum-zum-zum era grande, pois nunca a EACF tivera em suas dependências, em seus quase 27 anos de existência, tantas ocorrências extraordinárias

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O zum-zum-zum era grande, pois nunca a EACF tivera em suas dependências, em seus quase 27 anos de existência, tantas ocorrências extraordinárias. Primeiro, a suspensão de todas as suas atividades. Segundo, o esvaziamento iminente de praticamente toda a estação, que nunca tivera menos do que 12 ocupantes (iria funcionar com apenas 5). Terceiro, o confinamento de um ocupante num alojamento. Quarto, a visita de um delegado de polícia. Quinto, um crime e um inquérito em suas dependências.

Havia quem estivesse contra aquela investigação clandestina, pelo que soube, mas era a minoria. A própria chefe da estação, que a princípio não fizera nenhuma objeção — e estivera até muito empenhada, parece que tinha mudado de ideia. Mas ela nada podia contra a autoridade do almirante, pelo menos, não por enquanto. De qualquer forma, a investigação ia adiantada. E, felizmente, não tinha havido atitudes hostis em relação à minha pessoa. Todos transbordavam simpatia e gentileza. De minha parte, ainda chateado com aquele famigerado debate, fui reanimado por Inês, que me fez ver que aquilo era muito pequeno, frente ao que eu conseguira realizar em praticamente 20 horas. "Um feito extraordinário", segundo ela. De fato, olhando por esse prisma, era um grande feito. Digno de um Hércules (não o Poirot, evidentemente).

No refeitório, ela comentou:

— Fiquei sabendo que está correndo uma aposta entre os militares. Uns garantem que o senhor não desvenda esse caso antes de irmos embora. Outros, dizem que sim. Está rolando até dinheiro!

— É mesmo? E para onde pende a maioria?

— Que o senhor não consegue! Mas eu fiz a minha própria aposta... Consegue, sim!

— Devem achar que estou velho demais...

— Pare com esse vitimismo! — disse, enérgica. — Sabe, isso no fundo, é orgulho. O senhor não quer admitir um eventual fraquejar. Todos nós falhamos, delegado. Ninguém é perfeito. E todos nós ficamos velhos. Aliás, é uma benção, ficar velho. Significa que se viveu bastante.

Ela tinha razão. Precisava parar de dar uma de vítima. Às vezes eu ficava assim, meio depressivo. Força! Coragem e ânimo, homem! Minha adorável progenitora diria: "Bola pra frente! Fé em Deus e pé na tábua"!

Perguntei:

— Suponho que também haja outra aposta, do tipo: "Quem matou"?

— Ah, isso claro que tem, né?

— E a maioria deve estar apostando em Ema, estou certo?

— E não? Até o senhor, acha que foi ela, não acha?

Dei um sorriso, mas sem manifestar minha própria escolha.

O almirante, que havia saído para suas diligências antárticas, voltou e sentou-se junto a nós:

— Estive pensando... Posso te fazer algumas perguntas?

— Fique à vontade. É a autoridade aqui.

— Quando abriste a porta e olhaste para fora, tem certeza de que não viste nada?

— Tenho.

— A neve sobre o terreno não possuía nenhum tipo de marca?

— Nenhum.

— Certeza?

— Sim!

— Olhaste só para frente?

— Para frente e para os lados.

— Saíste pra fora?

— Não.

— Sendo assim, não tendo saído, não pode dizer se o assassino, que supostamente fugiu por ali, não se escondeu embaixo da estação, pode?

— Embaixo?

— Sim, embaixo. Não reparaste, quando chegamos ontem, que os módulos ficam acima do solo?

— Almirante! Subi as escadas para entrar! Reparei, sem dúvida.

— Pois então! Depois que tu fechaste a porta, o criminoso, que havia se escondido debaixo dos módulos, saiu do esconderijo e foi embora. Por isso que não viste rastro algum.

— Esconder-se de quem?

— De Ema.

— Mas, supostamente, esse 'vulto' nem percebeu que Ema o viu. Por que se esconderia, se não considerava haver alguém atrás dele?

O almirante coçou a cabeça. Arrematei:

— Tua ideia é boa, mas informo que a neve já estava no nível do último degrau da escada. Não haveria tempo para ele cavar um buraco, para se esconder.

O almirante socou o ar:

— E por que não disseste isso antes? Mas que raios! Tu observas tudo, mesmo. Não te escapas nada. E depois diz que estás velho! Bem capaz! Bah! Foi ela! Se ela não o matou, por que inventou esse vulto?

Tentei responder ao almirante, com uma reflexão mais profunda:

— Para guindarmos uma hipótese à condição de certeza, precisamos que ela responda a todas as questões propostas, de forma satisfatória. Tudo precisa fluir e encaixar-se perfeitamente. É óbvio que todas as possibilidades devem ser analisadas, mas sempre caberá o bom senso de não insistir em teorias cujos entraves se mostrem intransponíveis.

"Portanto, são dois os tipos de lógica: a dedutiva e a indutiva. Ambas fazem parte da metodologia científica, presentes numa investigação policial. Na primeira, parte-se de um conhecimento geral, para analisar as particularidades. Na segunda, as particularidades é que levam ao conhecimento geral.

"Ou seja, quando uma teoria contraria os fatos, devemos abandonar a teoria e ficar com os fatos. Mas, para que possamos compreender melhor esses fatos, devemos elaborar outra teoria.

O almirante balançou a cabeça:

— E que fatos novos ainda podem surgir, Basílio?

— Para começar, aqueles que os depoimentos de Ernani e Humberto talvez nos forneçam.

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Inês é fogo! Já chamou Ernani à realidade e agora bota o delegado nos trilhos. A força da mulher. E, em especial, da mulher negra. Mas, como diria o almirante, que fatos novos ainda podem surgir? Eu vou conferir, seguindo adiante e você?

*Peço que registe seu voto e comentário. Grato.

Assassinato no Continente GeladoOnde histórias criam vida. Descubra agora