Por Ema Arantes.
Mar de Drake, 20 de dezembro de 2010, 15h30 (21 dias e 7 horas antes)...... A minha percepção encontrava-se aos saltos! A bordo do navio oceanográfico Professor Wladimir Besnard, de propriedade da USP, observava, da cabine de comando, o balanço do navio, como se eu fora uma entidade extrafísica, cuja percepção concreta das coisas ao redor tivesse desaparecido. A proa afundava e reaparecia, a embarcação jogava de um lado a outro e a água do mar antártico, a cada imersão, tomava conta do convés, dando a impressão de que o Besnard poderia submergir a qualquer instante. Navegávamos às portas do mais temido dos mares, o estreito de Drake, a uma distância de mais de 500 quilômetros ao sudeste das ilhas Malvinas — era a temida passagem de Drake, que assim tinha sido batizada em homenagem ao famoso pirata britânico Francis Drake. No longínquo ano de 1577 ele passara do Atlântico ao Pacífico por aquele caminho, tendo de um lado a Terra do Fogo e do outro a ainda desconhecida Antártida.
O embarque havia ocorrido há duas semanas no porto de Santos e o navio também estivera na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. A partir do sul do Brasil, eu não me lembrava de ter avistado outra embarcação. Era um vazio no horizonte e isso não me parecia um bom sinal. Agora, observando a popa do navio afundar, tornando a emergir, embora considerada por todos uma mulher forte, estava receosa.
A tempestade que enfrentávamos não era nenhuma novidade no mar mais tempestuoso do planeta. Nada mais justo, dissera o meteorologista, que aquelas paragens tivessem o nome de um pirata. Por sinal, ele já previra aquele encontro amedrontador com a Natureza. Todo o trajeto até ali já se dera em mar agitado, ventos fortes, chuva fina e apenas uma noite de céu aberto.
Ondas de mais de dez metros de altura formavam-se a poucos metros do navio, vertendo com lentidão, mas nem por isso menos assustadoras. A proa continuava a submergir, por segundos intermináveis, dando a impressão de que o navio não mais emergiria. Devido à excepcional resistência imposta pelo agito das águas, o Professor Besnard navegava com dificuldade. Isso forçava as máquinas, fazendo com que vibrações estranhas percorressem o casco do navio. Quando um vagalhão enorme o atirava ao alto e a hélice girava completamente em falso, o ruído do motor ecoava vigoroso a bordo e o choque da popa, voltando ao mar, era tão violento que parecia que o navio seria partido ao meio. Os vagalhões que quebravam na proa passavam sobre a ponte de navegação em magníficos arcos d'água, voltando ao mar além da popa, a mais de 50 metros de distância. Numa dessas ondas, pedaços de madeira subiram na crista da água, passando pela vidraça do passadiço.
— Estamos afundando? — perguntei, assustada.
— Não, doutora — buscou tranquilizar-me o chefe dos marinheiros. — É apenas um banco de madeira que se soltou do convés. Não acha melhor descer para o camarote? Está ficando perigoso.
— Nem pensar! Quero ficar no lugar mais alto possível.
— Então mantenha-se firme! — solicitou o comandante, o capitão-de-fragata Ribeiro, intrometendo-se no diálogo entre mim e o marinheiro.
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Assassinato no Continente Gelado
Mystery / Thriller🏆1º Lugar no Concurso Caneta de Ouro (Melhor Cenário) 🏆2º Lugar no Concurso Jane Austen 2022 (Romance) 🏆3º lugar no Prêmio UBE/Scortecci, 2005 (Romance). Estação Antártica Comandante Ferraz: uma nevasca e um crime! Dezoito pessoas incomunicá...