Capítulo 71

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Livia não se lembrava de ter tido tanta dificuldade para andar nem quando levara uma facada, aos treze anos de idade, ou quando estava na reta final da sua gravidez e sua barriga ficou tão pesada e cresceu tanto, que ela nem via os seus pés. Talvez a corrida do hospital até o cemitério tivesse sido demais para ela. Ela colocaria uma nota na geladeira para fazer mais exercícios quando voltasse para a Califórnia, devia estar muito sedentária.

De qualquer maneira, não tinha a menor possibilidade de correr do cemitério até o dito parque, ela andou até ele devagar, dizendo para si mesma que Sam estava bem e que não precisava correr. Ela achou que precisaria perguntar a várias pessoas onde ficava a praça, mas, por algum motivo, não precisou perguntar a ninguém. Quando menos esperou, estava lá.

Aquela parte da vila estava um pouco escura, apesar do sol estar nascendo, e vazia, passava por aquela rua um carro perdido. Uma luz fraca iluminava uma árvore (que ainda estava no mesmo lugar em que ela se lembrava) e uma mesa de piquenique, na qual Sam estava sentado. Livia parou antes de se aproximar e o encarou, o cabelo dele estava mais bagunçado do que o normal, a luz iluminava metade do seu rosto e ele parecia mais abatido do que nunca, distraído, parecia que as únicas coisa nas quais ele reparava eram as duas garrafas de cerveja a sua frente, uma aberta e outra fechada. Tinha uma barraquinha de comida perto de onde ele estava, onde ele certamente havia comprado aquelas cervejas, mas já estava fechada.

-Sam...- ela tocou no ombro dele, que se virou unicamente para mostrar que notara a presença dela lá. Livia sentou do outro lado da mesinha e fechou o casaco que usava, batia um vento gelado que contrastava com o calor que ela sentiu com a primeira corrida. Ela pensou em perguntar se ele estava bem, mas seria idiota, a resposta era óbvia. Atentou-se às garrafas de cerveja, apesar de ter uma aberta, ele não tinha bebido- Achei que tomasse remédio controlado. Eu vi no seu armário uma vez...

-E eu tomo... Não vou beber.- ele pegou a garrafa, brincando um pouco com ela, depois estendeu-a para Livia- Você quer?

-Não, obrigada.

Ele apoiou a garrafa de volta na mesa. Devia estar bem gelada, porque algumas gotas de água desciam e molhavam a madeira.

-Alguma notícia da Jane?

-Não, eu saí logo depois de você. Sofia e Violet ficaram, eu tenho certeza que elas vão ligar caso tragam mais alguma notícia.

Sam concordou com a cabeça e o silêncio se instaurou mais uma vez. Ele passou um bom tempo olhando a garrafa de cerveja, sem pensar em tomá-la de fato. Eram anos de remédio controlado e de bebidas alcoólicas compradas e não bebidas, era algo sobre ter algo em suas mãos que podia fazer mal a ele e sentir-se melhor por escolher não fazer, funcionava como uma prova de amor próprio para ele.

O vento balançou as folhas da árvores que estavam na direção do olhar dele, algumas caíram e ele observou o movimento delas até o chão. No meio daquilo tudo, ele ainda conseguia pensar que era o segundo nascer do sol com Livia naquela praça, só que em circunstâncias completamente diferentes. Em circunstâncias terríveis, na verdade.

-Sabia que eu pensei em desistir dela?- Sam perguntou, do nada, tão envergonhado, que não olhava para Livia. Ela se voltou para o rapaz, demonstrando um pouco mais de surpresa do que gostaria e sem falar nada, para dar a ele a chance de continuar no seu próprio ritmo- Q-quando a minha mãe morreu, as primeiras coisas que eu perguntei foram "como eu faço para não ficar com ela? Com quem eu a deixo? Como eu faço para alguém adotá-la?"- as lágrimas voltaram, ele ficou cabisbaixo só para dar lugar ao seu choro- Eu pensei em desistir dela porque eu não aguentava... E-eu não aguentava olhar para ela e ver... Você.

Livia enfiou as mãos nas mangas do casaco e esfregou os seus braços, arrepiada.

-Eu passei anos sem vir a Stratford para não ter que vê-la, eu a ignorei completamente no casamento da Sofia e da Violet, eu sempre dava uma desculpa para não vê-la na câmera quando a minha mãe me ligava, eu até preferia falar com ela em um horário que eu imaginava que a Jane estivesse dormindo...- ele fez uma pausa, passando as mãos no rosto completamente molhado- Quando teve o acidente, eu não queria ter que ficar com ela nem durante o tempo que a mamãe ficou internada, era uma tortura... Era uma tortura olhar para ela, eu devo tê-la assustado, eu devo ter dito coisas que eu não devia dizer a uma criança de quatro anos, eu devo ter colocado uma cara horrível para ela... Ela deve ter ficado tão assustada... Um acidente, a mãe longe, um estranho ranzinza com ela em casa... E, depois disso tudo, eu ainda quis desistir dela, tirar o pouco que ela conhecia simplesmente porque eu, o adulto em questão, não aguentava olhar para ela...

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