Capítulo 41

106 16 65
                                    

Quatro anos sem pisar em Stratford poderiam ter sido o bastante para Sam esquecer o caminho até a sua antiga casa e o que mais que houvesse na cidade, mas não. Foi só pisar ali que tudo ameaçou voltar à tona, inclusive o que ele queria que nunca mais voltasse.

Adentrou sua casa com medo de encontrar os mesmos retratos, os mesmos móveis, as mesmas decorações e as mesmas lembranças, mas o que lhe esperava era muito pior: estava tudo diferente, mais cheiroso, mais leve e um tanto mais bagunçado: havia quadros, brinquedos e roupinhas de criança por toda parte.

Havia Jane por toda a parte, inclusive atrás dele, agarrada a um coelho de pelúcia.

A garotinha viera calada no carro durante todo o percurso e parecia hesitar em cada um de seus movimentos, como se não se sentisse segura. Sam não insistira para ela falar ou se movimentar, ele mesmo não estava falando muito com ela. Aliás, aquela era a primeira vez desde que ela nascera que ele precisava ficar tempo o bastante com ela para ter que encará-la e prestar atenção em suas características.

Aquele cabelo castanho claro, quase que da mesma cor dos olhos, o jeito que ela se agarrava àquele coelho como se fosse sua válvula de escape e a sua expressão só faziam com que ela se parecesse mais com...

Não, ele não ia pensar nisso. Nem em Stratford, nem em lugar nenhum.

-Venha, Jane.- ele pediu, notando-a imóvel na frente da porta fechada. Ela permaneceu onde estava, o único movimento aparente era o da respiração ou o piscar dos olhos- Vem, já deve estar na sua hora de dormir.

-Eu quero a minha mãe...- ela falou baixinho, levando uma das mãozinhas ao curativo em sua testa, provavelmente a área estava dolorida.

Sam foi até ela, contra a sua própria vontade, e abaixou-se para ficar da sua altura, mas evitou olhá-la nos olhos:

-Os médicos disseram que ela precisa passar mais um tempo no hospital, para melhorar, mas logo ela vai estar em casa.

-Quando?

-Quando eu não sei, mas não vai demorar, agora vem comigo.

Jane continuou sem falar muita coisa durante o banho, limitando-se a balançar negativamente a cabeça quando Sam perguntou se ela estava com fome. Ele colocou nela a primeira roupa parecida com um pijama e, ansioso para tomar o próprio banho e deitar, deixou-a com o coelho de pelúcia em sua cama (a menininha aparentemente gostava muito de bichinhos, já que as paredes do quarto eram repletas por quadrinhos deles e de muito mais animais de pelúcia).

-Sam.- ela o chamou antes que fechasse a porta. Ele respondeu virando-se para ela- Conta uma historinha para mim? A mamãe sempre conta para eu conseguir dormir...

-Jane, já está tarde, eu...- "quero sair daqui", ele pensou e viu o jeito que ela assentiu timidamente, apertando mais ainda o coelho. Ele queria fechar aquela porta e não ter que olhá-la até o outro dia de manhã, ele queria não ter que olhá-la nunca mais se fosse possível. Aqueles sentimentos eram mais fortes do que ele. Não conseguiu, entretanto, deixá-la sozinha naquele momento, talvez porque sabia que ela estava assustada e ele lembrava de como era se sentir vulnerável e assustado, então foi até uma estante repleta de livros infantis encostada em uma das paredes- Qual livro você quer que eu leia?

-Você conhece as historinhas da minha outra mamãe? A de cabelo rosa?

Se Sam estivesse com alguma coisa em mãos, teria derrubado.

-Que mãe de cabelo rosa, Jane? Sua mãe é a Carolyn.

-Eu sei, eu tenho duas, foi a mamãe que disse.- parecendo empolgada com o assunto que até lhe tirava um pouco da vergonha, ela sentou na cama, sem largar o coelho- A mamãe sempre me conta a história de como ela me levou para lá e para cá na barriguinha dela! Ela também me salvou quando eu nasci!

Never StayOnde histórias criam vida. Descubra agora