Capítulo 2

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Seis e quarenta e dois.

Sam pelo menos já tinha uma coisa boa para contar naquele dia: dormira dezoito minutos a mais que no dia anterior. Rindo de seu próprio pensamento patético, fez as coisas exatamente como em todos os dias: escutou os pais brigando, tentou inutilmente entender o motivo, levantou, fez sua higiene matinal, desceu pronto e com a mochila nas costas, fingiu que não reparou na briga e saiu com Sofia.

Sofia repetia com frequência uma teoria muito interessante, que dizia que, se assim que você acordar as coisas começarem a dar errado, volte para a cama e fique lá pelo resto do dia, não dê oportunidade para uma sequência de desmoronamentos como em um efeito dominó. Sam concordava tanto com ela, que chegou a aperfeiçoar a teoria, adaptando-a melhor à sua vida.

Ele dizia que, se você vive em um estado de comodidade há muitos anos, em uma rígida rotina, onde você já sabe o que dá certo e o que dá errado em cada momento, em qualquer dia que desrespeite essa ordem, volte imediatamente para a cama a fim de evitar surpresas. Entretanto, Sam não percebeu que aquele dia já amanhecera diferente: era muito raro ele dormir até depois das seis e meia.

Depois, Sofia não caminhou até a escola falando dos assuntos usuais, estava falando de outro desvio na rotina: na tarde antecedente, desviara do caminho de sua casa e fora até a da menina com a qual Harry a traiu. Chamava-se Violet, era muito bonita, comportada e não fazia ideia de que ela existia, as duas acabaram por rir da situação e iriam a uma cafeteria logo depois da escola.

As vozes dos professores pareciam distantes, os alunos estavam mais desatentos e impossíveis do que nunca, as nuvens se fechavam do lado de fora, tudo parecia atordoado, como o céu que precede uma tempestade. Ainda por cima, a comida do refeitório estava deliciosa, e isso era indubitavelmente suspeito. Sam não percebeu, mas não dá para julgá-lo: ninguém percebe quando o trem anda tranquilamente por seus trilhos, apenas sente-se falta do que era quando ele começa a fazer ruídos e ter assentos mofados.

Quando Sofia, Jackson e Sam iam voltando para suas casas, uma voz autoritária e cansada ecoou pelo corredor chamando-os e foi difícil segurar a risada quando o diretor veio correndo, desmantelado, ajeitando a gravata vermelha, para alcança-los. "Graças aos céus encontrei vocês aqui, vamos até a minha sala".

O diretor era um senhor na faixa dos 60, baixinho, rechonchudo, careca e com o rosto extremamente vermelho. Sua sala demonstrava o quão era soberbo e egocêntrico: exibia troféus de êxito e inteligência em paredes, diplomas de mestrado, doutorado e o que mais ele tivesse, retratos com sua família de aparência e, é claro, sentava-se em uma cadeira acolchoada e confortável.

A maioria dos alunos o odiava, ele criara uma fama de conservador extremo e alguns o chamavam de ditador (Sofia, por exemplo). A alguns pais, isso agradava, a outros, porém, nem tanto. Ele gostava muito de Sam por ser um aluno modelo e, por isso, o garoto era obrigado a fingir que gostava dele. Jackson e Sofia, ele tolerava, por andarem com o tal aluno modelo.

-Graças a Deus consegui pegar vocês na saída!- ele riu, acomodando-se em sua cadeira. Sua risada era, francamente, assustadora- Esperava poder ter uma conversa em particular e sigilosa com vocês. Sentem-se, sentem-se.

Os três obedeceram, eles se entreolhavam, cada um entendendo menos que o outro.

-E sobre o que é a conversa?- Sofia cruzou os braços, a expressão era de nojo e confusão.

-Bom... Ontem recebi a visita de uma garota aqui, da idade de vocês, muito provavelmente farão algumas aulas com ela... É... Bem... Ela queria se matricular na escola... Hum...- ele coçou a cabeça sem um fio de cabelo sequer, não parecia encontrar as palavras- Eu não a teria aceito, vocês sabem que prezo muito pela segurança dos alunos e... Ela é estranha, tem um piercing no septo, como um touro, vi em suas fotos que tem os braços cobertos por tatuagens, o cabelo é estranhamente rebelde... Rosa... Não que eu seja preconceituoso, vocês sabem... É.... Bom... Eu precisei aceita-la porque ando recebendo duras críticas, me acusam de não respeitar a diversidade...

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