Capítulo 38.

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— É o seguinte, você vai calar sua boca e vai se sentar quietinha naquela cadeira. Já tivemos problemas demais para termos que lidar com suas atitudes infantis, todos aqui estão fazendo o melhor para deixar ele vivo, então ou tu toma vergonha na cara e para de surtar ou a única culpada da morte dele será você.— Nara falou tudo de uma vez, se parasse para pensar se arrependeria.

Todos a encararam chocados, principalmente Shayene que nunca havia visto sua irmã tratar alguém daquela forma, na verdade sentia orgulho, antes não importava a situações ela só se calava com medo, mesmo quando faziam mal a ela. Kyon teve vontade de sorrir, se fosse ele falando a situação estaria muito pior.

— Leve ele logo.— falou para Rodheriquesson.

Isabel encarava Nara sem nem se mexer, sua boca se abria mas nenhuma palavra saia. Por minutos ninguém se mexeu. Rodheriqueson havia ficado na sala junto da médica. O silêncio ali era total até que um soluço alto preencheu o silêncio, logo vários seguidos, Isabel chorava e tremia. Nesse momento Nara se afastou e sentou em uma cadeira no canto.

Olhava para fora esperando ver algo, queria manter sua mente longe dali, não escutar aqueles soluços, não lembrar das palavras que disse. Entendia que ela estava desesperado porque Stevan era seu irmão, nunca imaginou algo assim. Sempre a viu como uma menina apaixonada, mas na verdade eles eram uma família e isso a entristecia pois não duvidava que faria o mesmo se fosse a vida de sua irmã em jogo.

Kyon caminhou e parou na porta encarando também o lado de fora, ali parecia existir tanta paz e o pior era que isso o incomodava. Shayene caminhou e sentou na cadeira a frente sua irmã, não disse nada, sabia que ela não ia querer falar.

Jeremy não conseguia se manter indiferente, não era capaz de se fingir de cego e surdo pois seu coração doía. Caminhou até a jovem e a abraçou, Isabel o apertou e chorou como nunca, não se sentia arrependida de verdade, mas tinha medo de perder Stevan, de todos a odiarem.

Rodheriqueson observava a sala médica, era mais moderna do que esperava. Se lembrava que Maria era cirurgiã, porém da última vez que esteve ali ela estava longe de ter tantos esquipamentos médicos.

— Eu e meu marido fizemos um empréstimo e compramos os equipamentos, as pessoas daqui precisavam e o bem estar deles é minha felicidade. — a senhora falou sorrindo enquanto examinava Stevan. — Ah, esse é o meu neto, Matheus.

O menino se escondeu mais em uma cadeira do canto da sala, parecia ser extremamente tímido. Rodheriqueson não disse nada, não tinha o que dizer.

Passou alguns minutos até que a senhora falasse algo novamente, Rodheriqueson se encontrava nervoso, a fala de Isabel ainda se repetia em sua mente, apesar de anos que se conheciam nunca imaginou que eles pudessem ser irmãos.

— Tem algo de estranho, ele pegou chuva ou passou muito frio recentemente? Ou teve pneumonia?

— Não.— ele sussurrou, era difícil falar com ela depois de tanto tempo.

— Ele tem hipotermia e parece ter uma pneumonia mal curada, seus pontos estão começando a inflamar quem costurou fez mal feito.— a senhora não quis admitir o quanto aqueles pontos estavam feitos de maneira estranha, parecia também terem usado uma linha suja e quase podre, mas esconder aquilo seria pior.

Rodheriqueson se lembrou de Florisbela, com certeza ela não tinha intenção de realmente cuidar dos ferimentos dele.

— Vou aplicar alguns medicamentos e refazer seus pontos, provavelmente em cinco dias ele estará melhor. E aproveitem esse tempo para vocês descansarem, vou querer ver a menina e o rapaz que estão com rosto machucado depois.— ela disse enquanto aplicava um medicamento na veia de Stevan.

O homem se virou e caminhou até a porta, porém sua consciência não o deixaria em paz se não falasse algo.

— Te peço perdão por tudo.— sussurrou e adentrou o corredor sem olhar para trás, não queria uma resposta.

Quando chegou na sala de espera Isabel correu ao seu encontro.

— Como ele está?

Ele a encarou, se sentia tão cansado que naquele momento não quis ser gentil com ela, a amava há tantos anos em segredo, mas isso não significava que aceitaria seus surtos e omissões.

— Não venha querer ser uma boa irmã agora.— respondeu com indiferença.

— Mas...

— Não tem mas nenhum.— ele a cortou.— Durante anos de amizade ambos esconderam isso e você somente começou a demonstrar preocupação com ele desde que ele quase morreu na última missão, não venha surtar hoje.

Jeremy encarava aquela cena com incredulidade, Rodheriqueson sempre tratou todos bem e educadamente, mas naquele momento até ele estava estressado, realmente a situação em que se encontravam mudou a todos. Ainda lembrava de quando ele, Stevan e o Rodheriqueson eram melhores amigos, já fazia um ano e meio que tudo mudou, que todos mudaram e agora pareciam mudar ainda mais.

Rodheriqueson se sentou e fechou os olhos, sentia uma enorme dor de cabeça, tanta coisas haviam acontecido nos últimos dias. O pior era que se sentia magoado por não saber que Isabel e Stevan eram irmãos. Antes da última missão, em que Stevan quase morreu, Isabel o ignorava completamente e o tratava com desprezo, pensava que ela tinha mudado por ter se apaixonado mas não era isso. Na verdade só sentia raiva por que estava com inveja, queria ter um irmão e se tivesse faria de tudo para o exibir para todos.

Shayene contou para Nara tudo que havia acontecido enquanto ela esteve desacordada, se escutasse aquilo em tempos normais não acreditaria, porém estavam no fim do mundo, tudo era possível. Se sentiu mal por ter piorado a situação para todos, por Kyon ter se machucado para a proteger. O observou ainda parado na porta olhando para fora, decidida a agradecer se levantou e foi até ele.

— Como você está se sentindo?— perguntou quase em um sussurro se sentia envergonhada.

Ele a encarou e forçou um sorriso, era difícil até mexer a boca para falar seus lábios doíam.

— Estou bem e você?

Nara sentiu sua garganta secar, era tão difícil agradecer quando sua consciência pesava, se sentia tão culpada.

— Me desculpa.— sussurrou encarado o chão.— Me desculpa mesmo, você se machucou tanto por minha causa, me perdoa por ser tão fraca.

Kyon não disse nada, somente passou seus braços pelo o ombro dela e a puxou para perto.

— Não serei mais um problema para vocês, eu juro.— sussurrou, queria o escutar dizer que a desculpava, sua consciência a culpava tanto.

— Eu gosto de ter um problema como você por perto.— ele brincou a olhando sugestivamente.— Está tudo bem, ninguém te culpa, eu não me arrependo, faria de tudo por vocês, você e sua irmã me salvaram e eu nunca vou ser capaz de retribuir isso.

— Mas nunca te ajudamos em nada.— ela respondeu confusa.

Kyon teve vontade de rir, era engraçado como elas não tinham noção do que haviam feito por eles.

— No dia que te encontrei eu estava realmente perdido na vida, tinha entrado para aquele mundo errado e estava gostando disso, o pior é que eu gostava. Foi quando vi seu olhar naquele dia, você não me olhava com acusação pela minhas atitudes erradas, você me olhava como se eu fosse tão bom quanto você e as atitudes de sua irmã me fizeram ver o quão errado era aquilo tudo. — Kyon suspirou, era tão estranho como um quase fim do mundo havia mudado tanto sua vida.— Na segunda vez em que as encontrei, eu estava disposto a desistir da vida, mas novamente você havia me aceitado com todos os meus erros, aquilo foi minha salvação.

Nara não respondeu, somente sorriu e olhou para fora.

Ganância - O início do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora