Ganância - O início do fim

Capítulo 31

— Eu já sabia.— foi tudo o que Stevan respondeu após escutar o que Kyon tinha a dizer.

— Como?— o homem perguntou

— Algo meio óbvio não acha? Pelos poucos segundos que me mantive acordado não fiz questão de escutar o que ela dizia e sim a observar, enxergar por trás de suas ações, observar em silêncio e de forma "surda" é essencial.

Kyon não enxergou o Stevan arrogante de sempre, não percebeu superioridade em sua voz nem nada do tipo, ele só parecia alguém comum e inteligente, algo estranho.

— Me surpreende alguém que é tão babaca com os outros, falar dessa forma.— disse sem se importar, não era uma pessoa de filtrar o que pensava.

Stevan não respondeu, não porque não queria, sua vontade era o responder de forma ácida, mas sim porque Shayene entrou no quarto no mesmo momento.

— Estava com preguiça então só peguei algumas coisas comestíveis na geladeira.— a menina falou lançando um olhar de raiva para Kyon que somente sorriu em resposta.

— Garota você não tem jeito mesmo, leve logo a comida até ele.

— Por que ele não vem buscar?— resmungo.

Kyon somente ergueu uma sobrancelha sugestiva para ela o que a fez lembrar do que havia sussurrado em seu ouvido, batendo os pés e com má vontade levou a comida até o rapaz.

— Bom apetite, vossa realeza.— a garota ironizou.

Stevan encarou o que estava na bandeja: uma sanduíche, uma maçã com aparência duvidosa, um iogurte de banana e uma barrinha de cereal.

— Ótimas escolhas. — Stevan ironizou.

— Só tinha isso lá, então não reclame.

— Eu reclamo do que eu quiser, pirralha.

Kyon observou a cena, o rapaz a sua frente havia voltado a ser um tremendo babaca que discutia com crianças.

— Vamos dormir Shayene e você— Kyon falou se direcionando a Stevan.— quando terminar de comer esconda a bandeja deixado da cama e não se esqueça de sempre fingir dormir.

— Vão logo, já me incomodaram demais.

— Tente não morrer, paspalho.— a menina falou e logo saiu do quarto, Kyon foi logo atrás.

Shayene retirou os travesseiros debaixo do cobertor e se deitou, os demais continuavam a dormir profundamente, logo ela também estava no mesmo estado.

Stevan não conseguia fechar os olhos, não conseguia dormir, era impossível descansar quando toda vez que dormia o passado voltava a tona, não era mais aquele rapaz, aquilo era algo tão longe, mas não saia de seus pesadelos por um só segundo, ainda mais naquele momento quando se sentia um inútil.

O mais assombroso foi jurar ter escutado um grito de criança próximo, os gritos continuaram a se repetir na sua mente durante toda a noite, aquilo era atormentador, para ele era como morrer aos poucos. 

Antes mesmo do sol nascer, exatamente às 4 da madrugada, Rodheriqueson já estava acordado, desde quando consegue se lembrar acordava o mesmo horário, não importava o que acontecesse, nada mudava aquilo ou apagava seu passado.

Quando Isabel acordou se sentia bem e descansada, mas a situação de Stevan logo a deixou péssima, amava ele e desejava tanto que estivesse bem, só de saber seu estado acabava com si.

Jeremy acordou feliz como sempre, nada mais na vida o abalava, a situação de Nara o chateava, mas tentar ver o lado bom de tudo era tão fácil para si que já não conseguia se prender as coisas ruins.

— Bom dia! — Jeremy exclamou para todos.

Isabel foi a única que respondeu, Rodheriqueson não fazia questão, Kyon fingia dormir e Shayene só encarava sua irmã esperando ela acordar.

— Dormiram bem? — Jeremy perguntou.

Novamente somente Isabel respondeu que sim.

— Vocês estão tão desanimados, cadê Florisbela?

— Ainda não levantou.— Isabel respondeu.

— Vamos fazer algo para o café então, estamos abusando demais já da hospitalidade dela.

— Eu te ajudo.

Rodheriqueson que estava sentando no sofá somente pegou um livro em uma estante e começou a ler, não gostava de falar com ninguém pelas manhãs e no restante do dia também.

Isabel abriu a geladeira e logo percebeu que não tinham nada para tomar café, só seis pães  de forma e um pote praticamente vazio de manteiga.

— Vê se tem algo no armário. — pediu ao loiro.

Jeremy logo foi atrás de algum alimento para o café, porém só encontrou coisas básicas, como arroz, feijão, fubá e farinha.

— Não tem nada.

Isabel suspirou, na situação que estavam ir ao mercado não era uma boa opção.

— Vou fazer meio sanduíche para cada um, vai ter que servir.

Jeremy não disse nada, somente ficou um silêncio o que não era algo comum e a ajudou.

Kyon já estava cansado de fingir que dormia, com humor não tão bom se sentou, seu olhar logo se ficou em Nara. A garota parecia estar mais pálida e com uma aparência ainda pior naquele dia e isso o incomodava, mas o que podia fazer?

"Querido, quando você estiver lidando com uma situação triste ou difícil, onde você não sabe como agir, feche os olhos e ore". O conselho que sua falecida avó sempre o falava ecoou em sua mente, sem vergonha de o acharem estranho por estar sentado de olhos fechados, orou. Orou pela menina a sua frente, orou pela vidas de sua família que se foram, orou pelos que se encontravam vivos do lado de fora, orou por tudo e por todos.

Quando abriu os olhos percebeu que Shayene o encarava, somente sorriu para garota, se sentia mais em paz e aliviado naquele momento.

Isabel logo entregou meio sanduíche com manteiga para cada um, o pequeno pedaço de pão estava enrolado num guardanapo. Kyon aceitou o lanche, porém esperou ninguém estar olhando para o enfiar no bolso.

— Florisbela está demorando a acordar. — Jeremy resmungou após alguns minutos.

— Ela deve estar cansada, deixa ela dormir.— Kyon falou, mas sua vontade era nem responder, porém sabia que se deixasse aquele garoto iria atrás dela no quarto.

— Isso mesmo garoto, larga de ser chato.— Shayene se pronunciou pela primeira vez naquele dia.

Jeremy nada disse, não se ofendia pela forma que a menina o tratava.

— Vou já adiantar o almoço, aliás já está tarde.— Rodheriqueson avisou, cozinhar era algo que gostava de fazer, uma atividade que o desligava do mundo.

Shayene achava peculiar e engraçado, ver um homem grande e forte como ele com um avental cor de rosa e fazendo o almoço com tamanha habilidade, no fundo sentia inveja, aliás não sabia nem fazer miojo.

Quando Rodheriqueson já havia servido o almoço e todos comiam apreciando o sabor delicioso do que ele havia preparado, Florisbela apareceu, mas dessa vez não parecia ser a doce e pura de sempre.

— Ora, ora, ora.— ela falou chamando a atenção de todos.

No mesmo instante Shayene encarou Kyon.