Capítulo 42

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Nara respirou fundo e olhou para os utensílios na mesa, pratos, colheres, garfos até mesmo uma grande panela no meio. Aquela menina ainda vivia em um conto de fadas, coisa que antes mesmo, quando o mundo ainda era "normal", muitas crianças estavam longe de viver.

— Eu vou contar, na hora certa, sei que não consigo cuidar nem de mim mesma, mas posso cuidar dela. Podemos deixar ela aos cuidados de Maria se não pudermos a levar. Sei que vai dar tudo certo.— a última frase saiu em um sussurro, a cada dia se tornava mais difícil ser positiva.

Kyon somente a encarou e forçou um sorriso, para que tudo desse certo teria que acordar em sua cama e ver que tudo foi um pesadelo.

— Voltei!— Ana exclamou com vários pacotes de biscoitos nos braços.— Escolham qualquer sabor! Querem bolo? Eu busco agora, ou querem suco? Tem suco de uva que não tem açúcar, muito ruim.— contou fazendo careta.

— Só isso está bom.— Kyon falou.— Me conte, por que só você ficou em casa?

— Só eu? Acho que eles não levaram minha irmã também.— ela falou expressando confusão.— Ou levaram? Eu não consigo lembrar disso.

— Como você não lembra? — Kyon perguntou preocupado, uma criança teria morrido de fome pelo tempo.

— Eu não sei, lembro de ver ela dormindo depois de meus pais sairem, mas isso não faz sentindo não vi ela depois disso. — explicou encarando um pacote de bolo de chocolate em suas mãos.

— Me conta isso melhor, onde sua irmã ficava?— Nara perguntou.

— Você procurou pela casa? Não ouviu choros? — Kyon perguntou.

Ana começou a balançar a cabeça em negação e choramingar, Nara encarou Kyon e rapidamente se levantou.

— Não chore, vai ficar tudo bem.— Nara falou colocando a mão em seu ombro.

— Não vai!— ela gritou e esmagou o pacote de bolo em sua mão fezendo um som que colocou Kyon em alerta.

— Nara, se afasta! — Kyon gritou.

— Ela, ela, eu não fiz aquilo, eu juro!— Ana gritou e levantou as mãos para tampar os ouvidos.— Ela está bem, não está? Por favor diz que sim!

Nara não se afastou, ao invés disso a abraçou.

— Ei, está tudo bem. Estou aqui, se acalme. — sussurrou em seu ouvido.

Os braços da meninas rodearam seus pescoço, ela se aquietou, mas foi quando Nara pensou estar tudo bem que os braços da menina começaram a apertar mais.

— Ana? Está doendo.— ela murmurou.

Kyon se alertou sentia suas mãos tremerem de nervoso.

— Eu vou matar você.— Ana sussurrou com uma voz tão grossa que nunca pertenceria a uma criança, foi naquele instante que Nara percebeu tarde demais que algo sempre esteve errado.

Kyon correu e tentou tirar a menina do pescoço de Nara que já tossia fortemente tentando buscar ar, a força que aquela menina usava era enorme demais para seu tamanho.

— Solta ela, sua desgraçada!— Kyon falou com raiva enquanto dava um golpe no pescoço da menina na intenção de a desmaiar.

Foi em segundos que os braços dela afrouxaram o pescoço de Nara e o som do primeiro soluço ecoou pelo local.

— Que droga é essa?— Kyon perguntou respirando pesadamente, de alguma forma aquela situação parecia mais estranhas que as demais.

— Eu não quis, eu juro, eu não consegui me controlar.— ela falou e chorou ainda mais, o golpe não a fez nem chegar perto de desmaiar.

Nara se afastou e encarou a menina, seu coração doía, parecia tão sincera, tão real.

— Ana é você?— a pergunta saiu dos seus lábios sem se conter, não sabia como tinha tanta esperança.

— Nara, para por favor.— Kyon pediu enquanto vasculhava o quarto com o olhar a procura de algo para matar a garota.

— A panela, está na panela.— a criança falou apontando para o centro da mesa.

Nara se ergueu e foi até lá, Kyon a seguiu com o olhar, já previa o resultado daquilo, mas sabia que se ela não visse ainda teria esperanças, ainda desejaria acreditar que Ana era normal.

Lágrimas banhavam o rosto de Nara antes mesmo de abrir a panela, em seu íntimo sabia, sempre soube que o fim do mundo não poupava nem crianças. Sua mão tremia quando segurou o puxador da tampa, queria se afastar e não abrir, mas já era tarde demais.

Quando abriu e viu o conteúdo desejou nunca ter saído da casa de Maria, nunca ter escutado a música no piano, desejou tanto que aquilo também não fosse real.

Mãos, pés e a cabeça do bebê boiava numa água já tingida de sangue. Seus olhos estavam arregalados e pareciam a encarar, o resto do corpo não estava ali e não a importava procurar.

Um grito ficou preso em sua garganta, sentiu as mãos de kyon tirar a tampa de suas mãos e a colocar de volta na panela.

Por que não se mexia? Por ainda doía e se surpreendia tanto? Nos livros apocalípticos que lia parecia tão fácil se acostumar a isso. Mas por que não ela? Por que insistia ainda em guardar tanta humanidade dentro de si? Aquilo só doía mais.

— Eu quero morrer, por favor eu quero minha mãe e meu pai.— a menina repetia em sussurros sem parar, Kyon já não sabia em que prestar atenção.

— Nara, precisamos dar um fim a isso.— ele sussurrou no ouvido da jovem.

Quando encarou Ana novamente ela os observava sorrindo, um sorriso que fez seu corpo se arrepiar, aquela garota não era uma criança inocente, era um carnificiendo.

— Eu só queria mais uma boneca, mas ela chorava tanto, não tem nada de errado em querer mais? — a menina falou sem deixar de sorrir. — Vocês seriam ótimos brinquedos.

Nara respirou fundo e apertou a mão de Kyon.

— Não!— Ana gritou já com outro tom de voz.— Eu não quero falar isso, eu não quero isso.

— O que é isso agora?— Kyon perguntou para si mesmo.

— Minha cabeça dói tanto, me matem logo por favor.— a menina pediu colocando a mão na cabeça e voltando a chorar.— Isso dói demais. Tragam minha mamãe, eu quero ela.

— Kyon será que ela ainda é humana?— Nara perguntou à observando, a menina parecia lutar contra si mesma em uma luta interna.

— Você não viu o que ela fez com o bebê? Está tão cega assim?

Ganância - O início do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora