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Ret

Respiro fundo encostando minha cabeça no banco do carro, sentindo o ventinho gelado do ar condicionado.

Anna: no que vc tanto pensa? - olho pra ela que estava com a sua atenção na estrada.

Ret: na vida! Isso aqui é muito louco.

Anna: como assim? - ela para no sinal e sua atenção vai diretamente pra mim.

Ret: é louco em todos os sentidos. - me ajeito no banco. - por exemplo, essas pessoas que estão passando. - aponto com a cabeça pra frente aonde as pessoas atravessavam. - estão todas fazendo a mesma coisa, mas ninguém sabe o que cada uma delas estão fazendo dentro de si! É loucura.

Ela fica calada me olhando e sorri concordando logo depois.

Anna: é louco mesmo. - ela volta sua atenção pra estrada quando o sinal se abre. - cada um tem uma vida né.

Ret: eu tive duas. - falo rindo e ela rir. - foda demais.

Anna: o que você mais sente falta? - olho pra ela. - que vc tinha lá mas não tem aqui?

Fico calado, mas a resposta já estava na ponta da língua.

Ret: minha rotina. - ela me olha rapidamente. - era uma rotina que eu nunca vivi, e que eu não me imaginava vivendo.

Anna: então você gostou?

Ret: pra caralho! Eu não me imaginava mas mesmo assim eu fui lá e tentei tá ligada?

Sinto o carro parar e olho pro lado vendo que já tínhamos chegado na entrada da Rocinha.

Foi tão leve e natural a nossa conversa que o tempo passou e eu nem me toquei.

Anna: confio no seu potencial Filipe! - ela olha pra mim enquanto eu tirava o cinto.

Ret: aquelas coisas né. - falo rindo e ela solta uma risada gostosa. - mas falando serio agora.

Anna: diga. - ela prende seu cabelo em um coque e eu encaro seus momentos.

Ret: valeu mesmo por não ter desistido de mim. - falo olhando nos seus olhos. - ter me dado a chance de renascer.

Anna: é meu trabalho como médica. - ela sorri. - mas não vou mentir em dizer que algo dentro de mim me dizia pra não desistir de vc! Todos já tinham perdido as esperanças, mas mesmo assim eu ainda tinha.

Ret: deve ter sido difícil.. - falo baixo e ela suspira.

Anna: é.. você foi o paciente mais complicado que eu já tive! Vai ficar marcado.

Ret: pelo menos vai ficar marcado com um final bom. - dou de ombros e ela sorri concordando. - conseguiu me salvar.

Anna: que bom que eu consegui! Se tem muita coisa pra viver ainda.

Concordo ficando calado.

Ret: tô vivendo cada dia como se fosse o último agora. - falo baixo.

Anna: isso! Eu como médica sei o quanto é difícil vc ver alguém entrar no hospital e não sair mais. Pode até sair mas não do jeito que entrou.

Ret: vivo?

Anna: é! - ela me olha. - até hoje eu não me acostumei com isso! E acho que nem vou me acostumar.

Ret: é foda pra caralho! Me sinto privilegiado. - passo a mão no peito e ela rir.

Anna: tá tomando todos os remédios certinhos né?

Ret: estou pô! Pode ficar tranquila.

Anna: bom mesmo! Pois eu pego no pé de todos os meus pacientes. - dou risada concordando.

Ret: imagino!

Imaginava nada! Eu sei! E é louco o quanto eu conheço bem ela, mas tbm não conheço tanto assim.

Anna: eu te mando mensagem confirmando o dia da batalha tudo bem?

Ret: tá certo! Eu vou cobrar. - ela rir.

Ela fica calada me olhando e logo sorri de canto me fazendo erguer as sobrancelhas.

Anna: então vc cantava.. - olho sem entender. - cantava sim! Vem com essa não!

Dou risada entendendo.

Ret: cantava! Ou achava que cantava.

Anna: isso a gente vê no dia da batalha. - ela sorri.

Ret: como?

Anna: acho que mereço um prêmio por salvar a sua vida..

Ret: an? - ajeito minha sobrancelhas esperando ela continuar a falar.

Anna: eu mereço ouvir vc cantar! - olho pra ela. - mas agora eu de verdade.

Dou risada concordando e ela rir junto.

Ret: beleza! - passo a língua nos lábios ressecados. - te dou esse prêmio.


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