Capítulo 2

5.6K 527 109
                                    

Carrasco

   – Chefe, o Ferrugem saiu de casa. – disse um garoto de dezenove anos, a robustez corporal de um grilo. – É pra mandar dar um susto nele?

Ele mal conseguia aguentar o peso do fuzil.  Levantou-se da cadeira da barbearia, os olhos castanhos injetados com a mais pura vontade de agradar ao chefe, e ajeitou a bermuda de tactel. Mais larga do que deveria, o defunto a quem ela pertencera devia ser maior que ele, ela voltou a descer, puxada pelo radinho preso à ela.

Carrasco estava sentado em uma das cadeiras do salão, o rosto ligeiramente inclinado para que o barbeiro terminasse de modelar sua barba. Pelo espelho, olhou para o jovem e disse, a voz petulante de sempre:

   – Por causa de quê, Alfinete? Deixa o moleque se sentir em casa. – Empurrou a mão do barbeiro, que terminara o serviço, e virou a cadeira para encarar o jovem. – Só manda os cara continuar observando ele. Quero ver qual é a desse maluco.

Obedecendo à ordem que lhe fora dada, Alfinete tirou o radinho da cintura, tentou, mais uma vez, levantar a bermuda, e iniciou o contato com o bandido que ficava na laje da igreja perto do beco em que Ferrugem morava.

   – Se liga, Cara de rato, o chefe mandou só ficar de olho no cara. Qualquer parada suspeita,você “passa a visão” pra nós. – disse Alfinete no radinho enquanto puxava sua bermuda de volta à cintura.

   – Aí, Chassi de grilo! – disse Carrasco enquanto tirava uma nota de cem da carteira e jogava no balcão do barbeiro. – Tá torrando a grana toda do bagulho em drogas e fica andando por aí com esses trapos. Depois reclama quando não te levo comigo pro “asfalto”.

Alfinete olhou para a bermuda caindo e, depois, voltou a olhar para Carrasco. Ele jogou a capa do barbeiro na cadeira, conferiu a barba uma última vez, sorriu, satisfeito com o que via, e deu as costas para sair do salão. Um dos guarda-costas que esperava do lado de fora ajeitou a postura e já se aproximou do carro.

   – Pô, tem menor, não, Carrasco? – disse o barbeiro, pegando a nota.

Carrasco gesticulou com uma das mãos para ele deixar pra lá e saiu. O guarda-costas abriu a porta traseira do veículo.

   – Já tá tudo certo pra mais tarde? Já falaram com os mano do som e agitaram a porra toda pro baile? - Carrasco entrou no carro preto blindado, e Alfinete se sentou ao seu lado no banco traseiro.

   – Tudo certo, chefe. Até os lance do teu churrasco na mansão. – disse Alfinete ajeitando o fuzil no meio das pernas.

   – Por isso que tu é o melhor! Só tem que dar um jeito nesses panos aí. – disse Carrasco e, depois, deu um tapa na careca do homem ao volante. – Tá esperando o quê, caralho? Essa porra virar o Bumblebee e sair andando sozinho? 

Alfinete exibiu um sorriso cheio de dentes, orgulhoso pelo elogio. O motorista acelerou, desculpando-se. Carrasco, sem paciência, mandou que se calasse e girou o indicador. Queria privacidade. Ele nem precisou verbalizar o pedido para que subisse a partição.

   – Mais tarde, é pra mandar os cria levar a gostosa da Nanda pra mim. – Carrasco contava algumas notas de cem na carteira. Tirou duas e jogou no colo de Alfinete. – Se tu “brotar” lá no churrasco com essa porra que tu chama de roupa…

Alfinete arregalou os olhos e, antes de Carrasco completar a frase, pegou-as e, sacudindo a cabeça, disse:

   – Pode deixar, chefe! Já tô ligado. A piranha vai tá lá.

Carrasco estreitou o olhar. As pupilas dilatando-se. Percorreu a parte de baixo do banco com as pontas dos dedos e sacou uma pistola  cromada. Com a delicadeza de um tanque de guerra, enfiou a ponta dela entre os fios castanhos e desgrenhados de Alfinete e disse:

O infiltrado no morro (Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora