Rafael
Rafael não podia adiar mais a entrega do relatório para a delegacia. No entanto, achou melhor não enviar um documento. Decidido a fazer a entrega pessoalmente, trancou a porta de casa e saiu do seu minúsculo quintal. Estava saindo do beco quando esbarrou com Biel. Ele parecia estar chegando do trabalho, pois estava com algumas gotas de tinta pelos braços.
Os dois se cumprimentaram com poucas palavras, o que já havia se tornado um hábito entre eles, visto que Biel quase não falava com ninguém. No início, Rafael achou que Biel não gostasse dele, mas percebeu que aquela era a personalidade do rapaz. Até com Breno, o irmão, ele agia da mesma forma, embora estivesse sempre cuidando do mais novo à sua maneira.
Alguns homens de Carrasco, por verem Rafael mais próximo de seu patrão, já começavam a não tratá-lo como um estranho. Um deles, o que roubara a camisa dele no caminhão, parecia relutante sempre que cruzava com Rafael pela comunidade, mas Rafael o cumprimentava como se nada tivesse acontecido entre eles antes. Quanto menos inimigos tivesse ali, melhor para sua convivência.
Enquanto aguardava o ônibus para ir à delegacia, certificava-se de não estar sendo observado. Tudo estava aparentemente normal para um fim de tarde de Quinta-Feira.
Algumas mães que retornavam de seus trabalhos traziam consigo os filhos com uniformes de escolas públicas. Com o rosto cansado, se preparavam para mais uma rotina de dona de casa ao invés de terem o devido descanso ao chegar em suas casas. Adolescentes, em grupos, conversavam sobre planos para o fim de semana enquanto aguardavam pelo transporte no ponto de ônibus.
Os homens de Carrasco que estavam encarregados de tomar conta do movimento no pé do morro se espalhavam pelo alto de algumas casas e estabelecimentos com os rádios, reportando o que acontecia. Nenhum deles demonstrava ter a atenção em Rafael, que quase desaparecia em meio a tantos estudantes que se agitavam com a chegada do ônibus.
A condução estava lotada e, mesmo tendo as janelas abertas, o calor era insuportável.. Com as mochilas pesadas, alguns estudantes disputavam o mínimo possível de conforto, se assim podemos dizer, com trabalhadores que partiam rumo à suas infinidades de destinos.
O celular de Rafael começou a vibrar em seu bolso. Resmungando por ter sido na pior hora, ele espremeu o braço entre seu corpo e o de um outro rapaz, que franziu os lábios em desagrado, e pegou o aparelho.
– Porra, Siqueira, tá querendo arrumar problema com o “Zero um”? – Valter falava quase em um sussurro. – Tá rolando um papo aqui na delegacia que ele tá doido pra te dar uma comida de rabo.
– Tá de serviço hoje? – disse Rafael, tentando se segurar no ferro do ônibus por causa de uma freada brusca. – Eu tô chegando por aí já.
– O cara tá o bicho porque você não mandou essa porra de relatório. Parece que tem alguém pressionando ele pra conseguir essas informações. Foi tudo que consegui saber, baseado no que a rapaziada anda comentando por aqui. Não conta essa porra pra mais ninguém ou tu vai botar meu rabo no meio, Siqueira.
Rafael ficou calado por um momento, analisando o que acabara de ouvir. No tempo que estava na delegacia, já tinha ouvido sobre operações desse tipo, acontecem com mais frequência do que se possa imaginar, mas nunca tinha ouvido sobre tamanha agitação e urgência sobre obter as informações em tão pouco tempo.
– Entendido. Seguinte: eu tô pra ir na casa da minha coroa depois de comparecer aí. – Rafael consultou a hora no celular. – Teu turno já tá quase acabando e, como te pedi para ficar de olho na coroa e no meu irmão, dá pra me encontrar lá? Melhor pra gente trocar uma ideia.
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O infiltrado no morro (Gay)
RomanceUm policial iniciante é encarregado de fazer parte da nova operação para investigar sobre o tráfico de drogas em uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro; Seu trabalho principal é se infiltrar no esquema e se aproximar do dono, conhecido por se...