Capítulo 12

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Carrasco

Vestindo uma calça escura, Carrasco ainda ria de Ferrugem. Passou desodorante, um dos perfumes importados, vestiu uma camisa polo e sentou na cama para calçar os tênis. Tirou as meias de dentro do calçado e colocou uma delas ao seu lado, sobre a cama. Enquanto calçava a primeira meia, se olhava no espelho, conferindo se aquela roupa estava legal. Passou a mão no lençol para pegar a outra meia e sentiu um papel. Olhou para o colchão e, com a testa franzida, pegou-o.

“De quem é esse número?”, pensou, coçando a barba.

Puxou o celular, que estava ao lado do Nintendo Switch sobre o móvel de cabeceira, e salvou o número para tentar saber pela foto do Whatsapp. “Felipe…”, pensou enquanto pensamentos circulavam por sua mente. Até que ele lembrou-se de Felipe perguntando com duplo sentido para Ferrugem se ele ia querer leite. Em seguida, lembrou que Ferrugem estava sentado ali.

   –  Tá mexendo com o moleque errado, parceiro! – O humor de Carrasco mudou subitamente. O sorriso dera lugar à cara fechada. – Vamo ver que porra “cê” tá arrumando…

Carrasco terminou de calçar o tênis e desceu, sem nem colocar seu relógio ostentação. Por um lado, ele não teria colocado mesmo para não chamar atenção, mas, naquele momento, não havia sido por isso. Estava irado.

   – “Carai”, achei que tava morto lá. – disse Ferrugem, ficando de pé enquanto Carrasco se aproximava.

Carrasco procurou Felipe, mas o loiro não estava por perto. Sem falar nada e com a cara emburrada, ele passou por Ferrugem e, ao sair para a garagem, sinalizou para Alfinete e o motorista irem para o carro.

   –Bora, porra! – Carrasco olhou para Ferrugem, que ainda estava parado na sala, parecendo tentar entender o que tinha acontecido.

Ferrugem parou de sorrir e andou até o carro. Alfinete, que já estava indo até o carro, olhou para ele e sua cara mudou. O garoto já estava abrindo a porta traseira quando Carrasco disse:

   – Na frente! 

Alfinete o olhou, sem entender e, assim que ia abrir a boca para perguntar, Carrasco o olhou, como se quisesse estourar sua cabeça. Contrariado, mas percebendo que Carrasco estava de mau humor e sem querer problemas, Alfinete sentou-se no banco do carona. Ferrugem e Carrasco sentaram no banco de trás, e o motorista saiu da garagem.

   – Tá de boa, mano? – Ferrugem olhou para Carrasco.

Ele continuava sério enquanto trocava mensagens no celular. Carrasco se inclinou para a frente para falar com o motorista e mandou-o ir para o estande de tiros. Em seguida, notou, pelo retrovisor, que Alfinete encarava Ferrugem de cara amarrada pelo retrovisor lateral. Carrasco respirou fundo, esfregou a barba e apertou o botão para subir a partição para não olhar para a cara do magrelo.

   – Vai ser até bom nós “colar no estande hoje. Tô afim de dar uns tiros. – Carrasco finalmente encarou Ferrugem, que estava de braços cruzados.

   – Achei que você treinava tiro na quebrada “mermo”. – disse o ruivo e começou a observar a movimentação das pessoas que, aos montes, transitavam pela cidade.

Era visível a diferença entre as casas da comunidade e os prédios luxuosos que decoravam o caminho. De um lado, hotéis, restaurantes e apartamentos lotados por pessoas com uma certa condição financeira. Do outro lado da rua, se estendiam quilômetros de areia, que recebiam o gelado golpe das ondas do mar. 

Algumas pessoas se exercitavam pelo calçadão, outras jogavam vôlei na areia, enquanto do outro lado, executivos, médicos, dentistas, e outros moradores com bons empregos saíam para trabalhar. Misturados a eles, pessoas mais humildes começavam a surgir das saídas do metrô para assumirem suas funções de empregadas domésticas, babás, garçons e outras milhares de profissões que, por anos, serviram e continuam a servir os moradores daquela região. Muitos deles, diversas vezes, praticamente invisíveis para uma grande maioria que, sequer lhes davam bom dia.

O infiltrado no morro (Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora