Capítulo 30

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Carrasco

Carrasco encarava a tela da TV, com a mão na cintura de Ferrugem, que continuava com a cabeça em seu peito, rindo das piadas da série, porém não conseguia prestar atenção nas cenas que passavam diante de seus olhos. Se alguém lhe perguntasse sobre o que havia sido a última piada, ele não saberia responder.

Estava contente por Ferrugem ter se aproximado dele, mas algo parecia estar errado. Não sentiu verdade no que Ferrugem tinha dito sobre ter que receber um dinheiro de alguém àquela hora. Deu uma bufada, desconfiado, e Ferrugem olhou para ele, ainda dando risinhos.

   – Não gostou, né? – Ferrugem apoiou o queixo no peito dele, que encarou aqueles olhos verdes por um momento. – Você não riu de nenhuma piada.

Carrasco olhou para a TV, onde acontecia uma cena em que um grupo de amigos conversava em um bar, depois voltou a olhar para Ferrugem.

   – Foi mal, mas eu tava viajando aqui em outra parada. – disse Carrasco.

Ferrugem conferiu o celular e começou a se sentar na cama. Carrasco cruzou os braços sobre o peito, ainda deitado, e ficou o observando.

   – Pô, papo reto… Se eu não tivesse esse bagulho pra resolver, nós até assistia um dos teus filmes de bruxo e toda aquela bobeira com magia e dragões. – Ferrugem calçou os chinelos e ficou de pé, ajeitando a roupa.

Carrasco não riu da brincadeira, e Ferrugem parou para olhar para ele.

   – Qual foi? – disse o ruivo, conferindo se a carteira estava no bolso e dando mais uma fungada. – Tá com cara de cu por quê?

   – Onde que tu vai encontrar com esse maluco que tá te devendo? – disse Carrasco, sem fazer rodeios.

Ferrugem ficou sério e rebateu:

   – Já dei o papo pra tu não se ligar nessa parada, pô. É bagulho meu.Tô vazando. – disse o ruivo e começou a sair do quarto rápido demais para quem não estava tentando esconder nada. – Ah, vou levar os remédios da gripe, já é?

Ferrugem os pegou em cima do móvel de cabeceira. Carrasco passou a mão na barba, sacudindo o pé, enquanto o via sair. Ficou um tempo pensando, olhou a hora no celular, o colocou de volta no colchão, coçou a testa. “Esse moleque tá de caô!”, pensou Carrasco, jogando a coberta para o lado e saindo da cama. Calçou os chinelos às pressas, pegou o revólver na gaveta e saiu, ignorando que estava de shorts e camiseta apenas. 

Desceu as escadas correndo, pegou as chaves do carro, que o motorista sempre deixava em cima da mesinha da sala de entrada, e entrou no veículo. Esperou por um tempo, pois se saísse logo com o carro, provavelmente Ferrugem perceberia. Largou a arma no banco do carona e pegou uma bala, que destruiu em segundos de tão ansioso que estava para sair. Percebeu Alfinete aparecer na porta de entrada, confuso, mas fez sinal para abrirem o portão e ligou o carro.

Saindo da garagem devagar, ficou a uma distância segura e viu Ferrugem entrar no bêco em que morava. Desligou o motor do carro e ficou aguardando, impaciente. Olhou para a conversa com ele no celular e viu que ele estava online. Ficou ali por uns 30 minutos e já estava quase desistindo quando Ferrugem saiu do bêco, arrumado. 

Não queria tirar conclusões ainda, mas não conseguiu deixar de pensar que ele estava arrumado demais para quem estava indo apenas receber uma grana. Ferrugem mexia no celular enquanto descia o morro, e Carrasco acompanhou com os faróis apagados. Não demorou até que um carro chegou no pé do morro e Ferrugem entrou. Provavelmente um Uber, imaginou Carrasco. Seguiu o carro e franziu a testa quando percebeu que estava indo sentido à Madureira.

   – Que porra esse moleque tá indo fazer pra esses lado? – disse Carrasco, pensando em voz alta.

Ele começava a ficar tenso, pois sabia que por mais que fosse um dos bandidos mais perigosos, não poderia entrar no morro de outro traficante. Ele sabia bem quem era o dono da comunidade que ficava ali, e já tinham feito negócio antes. Não queria começar uma guerra entre as favelas.

O infiltrado no morro (Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora