Capítulo 17

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Rafael

Sentado no banco da janela do ônibus, que, pelo horário, já estava mais vazio, Rafael observava as pessoas nas calçadas. Estava remoendo as coisas que aconteceram na delegacia quando o ônibus parou em um ponto. Um pagode alto tocava em uma “jukebox” de um bar onde alguns homens e mulheres começavam a aquecer para o final de semana. Rafael afastou a mente da delegacia por um momento enquanto olhava um homem dando em cima de uma mulher que parecia gostar da conversa. Como o homem estava de costas, não conseguia ver o rosto dele, mas  era pouco provável que algum conhecido seu estivesse naquele bar imundo.

Um outro homem, sem ligar para a conversa, puxou o que estava cantando a mulher pelo braço, chamando a atenção de Rafael. Um grupo de pessoas subia no ônibus,, e, como o motorista também fazia o trabalho de trocador, o veículo estava demorando para sair. Trabalhadores cansados começaram a reclamar em seus assentos. Observando a cena do bar com mais atenção, Rafael franziu o cenho ao ver o cara que interrompeu o outro sacudi-lo e gritar. 

Rafael quis ter o poder de desligar a “jukebox” para ouvir o que acontecia de fato. Com a movimentação, o primeiro homem ficou de frente para a rua, e Rafael achou seu rosto familiar. Puxou em sua memória para tentar saber se era algum conhecido, mas não se recordou de ninguém que tivesse um dente de ouro. O homem, desajeitado e sem graça por estar sendo observado por mais alguns passageiros, cruzou o olhar com o de Rafael e ficou mais agitado. Empurrou o segundo homem com as duas mãos e entrou para o bar, como se tivesse visto o próprio diabo em sua frente.

Rafael achou aquilo estranho, mas não conseguiu acompanhar o resto da cena, parte porque o homem se enfiara no bar e parte porque, finalmente, o motorista seguiu viagem. Agora, com a cidade dando lugar a um bairro mais residencial, Rafael voltou a pensar em como deveria agir sobre a sua missão.

Aproximando-se do bairro em que a mãe morava, Rafael começou a se sentir nostálgico ao passar em frente a alguns lugares. Cumprimentou algumas pessoas que o conheciam do período que morou com a mãe antes de entrar para a polícia. Entrou na rua da casa dela e, parecendo uma mistura entre gerações, crianças brincavam de futebol e bola de gude, enquanto outro grupo de crianças se espalhavam com os narizes enfiados em celulares. 

Uma menininha de cabelos pretos corria, olhando para trás, enquanto fugia de uma menina um pouco maior com um pirulito na boca. Ela se bateu nas pernas de Rafael, que a segurou para não cair. Ela ignorou o impacto, sua vida parecia depender de fugir de sua perseguidora, que dava uma gargalhada gostosa enquanto seus cabelos chicoteavam o ar e suas mãos se esticavam diante do corpo para pegar a menor. Rafael sorriu e soltou a pequena, que gritou “Você não vai me pegar!” e, gargalhando tanto quanto a outra, saiu em disparada. 

O policial quis ficar ali. Só apreciando a inocência daquelas crianças brincando e não ter que pensar em seus problemas. Seu celular vibrou, era sua mãe querendo saber onde ele estava. Passou por mais meia dúzia de casas até chegar no portão da casa de sua mãe. Empurrou o portão, que estava apenas encostado, e os latidos de Cadete, um vira-lata serelepe, denunciaram sua chegada.

   – Calma. Sou eu, garoto! – Rafael foi até o cão, que balançava o rabo, eufórico em sua coleira. 

Fazendo carinho no cão, que pulava e dava rodopios de excitação, Rafael ouviu a porta da sala abrir e sua mãe surgir.

   – Ai, graças a meu bom Deus! – disse ela com uma das mãos sobre o peito. – Já estava preocupada com você.

Rafael, limpando a calça, que estava cheia de carimbos de patas, andou até ela e sorriu.

   – Benção, mãe. – Abraçou-a, e começaram a andar para dentro. – Eu sei me cuidar, Dona Janice. Não precisa ficar tão preocupada.

   – Deus te abençoe. Talvez se você tivesse escolhido outra profissão, eu ficaria mais tranquila. – disse ela, andando até a televisão e pegando o controle. – Todo dia é uma notícia diferente sobre os crimes nessa terra de ninguém.

O infiltrado no morro (Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora